terça-feira, agosto 29, 2006

Deu na Folha de São Paulo: Bancos brasileiros no "Guinness Book"

por LUIZ CLÁUDIO MARCOLINO*


A PESQUISA não foi detalhada, mas, ao que parece, os bancos brasileiros não constam do "Guiness World Book of Records".

Editado desde 1955, o livro traz alguns dos maiores feitos de todos os tempos, mas não faz justiça aos nossos banqueiros.



Traduzindo o setor financeiro em números, é lamentável provar que tanto crescimento significa pouco para a sociedade

O sistema financeiro nacional acumula a fantástica marca de pelo menos uma década crescendo ou batendo seu próprios recordes. Ano a ano, os maiores bancos brasileiros crescem, em média, 25%. Todo ano! Isso equivale a dizer que, em cerca de quatro anos, bancos como Itaú e Bradesco -só para ficar nos dois maiores- dobram seu patrimônio. Ou que levariam somente quatro anos para adquirir um outro banco do mesmo tamanho que eles.

E não importa o cenário: inflação em alta ou controlada, cenário de dólar caro ou mais barato, economia em polvorosa ou estabilizada. Neste ou naquele governo, eles sempre ganham. Deve-se louvar o poder de adaptação do setor, sem dúvida. Na ciranda financeira, enchiam os cofres com dinheiro que, de um dia para o outro, valorizava horrores. Na estabilidade, ofertam mais crédito, só que muito caro.

Estamos no segundo semestre de 2006. Pululam os balanços financeiros e, novamente, nada de novo no front. Os bancos quebram outra vez seus recordes em relação ao mesmo período do ano passado. Qualquer semelhança com anos anteriores não é mera coincidência.

É bom para o Brasil, para a economia e para os brasileiros que um dos mais importantes setores do país cresça tanto. Mas, infelizmente, não é assim. Apesar de o crédito ter passado a ser, nos últimos dois anos, forte componente no resultado dessas instituições, há um fator que torna o que poderia ser razão de orgulho em vergonha nacional.

Nossas instituições financeiras mantêm o maior "spread" bancário do planeta, de acordo com o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês). Com habilidade fantástica, captam recursos por um valor muito mais baixo do que quando os oferecem a quem precisa de dinheiro emprestado.

No Brasil, o "spread" significa 40% do custo final da operação. O segundo lugar na lista do BIS, o Peru, tem "spread" de 10%. Outros países em desenvolvimento têm "spread" de 5%, próximo ao dos países ricos.

O estudo diz que manter "spreads" altos por longos períodos dificulta a tomada de empréstimos, o que retarda o crescimento da economia. E pode significar ineficiência do sistema bancário, que fornece menos crédito do que poderia para estimular o desenvolvimento.

Os bancos falam em altos custos administrativos e na carga tributária para justificar a fantástica diferença na cobrança entre o dinheiro captado e o emprestado. Mas o fato é que, mesmo apesar disso, a rentabilidade dos bancos brasileiros é maior até que a dos bancos americanos, perdendo só para os suíços.

Não é preciso falar do tamanho da economia desses países e da diferença entre as desigualdades sociais que nos assolam. Traduzindo o setor financeiro em números, como tão bem lhe convém, é fácil e lamentável provar que tanto crescimento significa pouco para a sociedade a que deveria servir.

Desde a década de 80, o setor desempregou metade do seu quadro de funcionários: eram 800 mil os bancários em 1984; somam, hoje, pouco mais de 400 mil. O número de contas correntes, por outro lado, mais que dobrou nos últimos 11 anos. Eram 44 milhões em 1994, e já ultrapassavam os 95 milhões em 2005, perfazendo 236 contas por bancário. Uma década atrás, cada um podia cuidar, com atenção, de 67 contas correntes. Há diferença na qualidade do atendimento e, paradoxalmente, se paga cada vez mais por isso. A arrecadação com tarifas nos 11 maiores bancos brasileiros passou de R$ 4 milhões, quando foi criada, em 1994, para mais de R$ 33 milhões, em 2005.

Em resumo: há menos funcionários para prestar mais serviços, o setor cobra muito e cada vez mais pelos serviços que oferece e gera crédito caro, que desestimula o investimento. Cria segmentações que privilegiam clientes de alta renda e joga os de "baixo potencial" - entenda-se: saldo médio desinteressante - para os correspondentes bancários, que custam muito menos para os bancos.

Enquanto for assim, os bancários, como os demais cidadãos brasileiros, não têm por que festejar o crescimento incessante do lucro dos seus patrões. Resta, então, tentar o "Guinness".


*LUIZ CLÁUDIO MARCOLINO, 36, economista, é presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região.

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