quinta-feira, agosto 10, 2006

NOAM CHOMSKY

Porque todo mundo me confunde com Wood Allen?


Pouquíssimos intelectuais transformam todo um campo de investigação, como Chomsky fez na lingüística. O trabalho científico de Chomsky ainda é controverso, mas ninguém pode duvidar das suas realizações imensas, como se pode facilmente comprovar ao se consultar o recente livro da série Cambridge Companion sobre Chomsky. Ele não só transformou a lingüística nas décadas de 1950 e 1960, mas também permaneceu na linha de frente da controvérsia e da pesquisa.
A grande admiração por Chomsky, obviamente não é apenas, e nem mesmo principalmente, uma resposta ao seu trabalho intelectual. Tal admiração está vinculada a um pensador brilhante, que se dispõe a sair da sua esfera de estudos para se dedicar a expor os grandes crimes e contravenções perpetrados pelo país mais poderoso do mundo, assim como a cumplicidade dessa nação com governantes venais e brutais em quatro continentes, por um período de meio século ou mais. Alguns acreditam - como disse certa vez Paul Robinson, ao escrever para o "The New York Times Book Review" --que existe um "problema Chomsky". Por um lado, ele é autor de contribuições profundas, embora proibitivamente técnicas, à lingüística. Por outro lado, as suas declarações políticas são, com freqüência, "enlouquecedoramente ingênuas".
Na verdade, não é difícil perceber as conexões entre as estratégias intelectuais adotadas por Chomsky na ciência e na política. A forma como Chomsky aborda a sintaxe chama atenção para a economia de explicações que poderia ser alcançada caso as similaridades na estrutura das linguagens fossem vistas como derivadas de capacidades humanas e biologicamente enraizadas da mente humana. E, acima de tudo, da habilidade recursiva de gerar um número infinito de proposições a partir de um conjunto finito de palavras e símbolos.
Muitos críticos modernos da academia radical estão prontos a lamentar o desprezo desta para com o método científico e as evidências. Mas essa não é uma crítica que possa ser dirigida a Chomsky, que procurou se colocar em uma posição naturalista e reducionista, segundo aquilo que ele chama, no título do seu livro de 1995, de "O Programa Minimalista".
As análises políticas de Chomsky também procuram se ater ao simples, mas não às custas das evidências, que ele é capaz de citar em grande quantidade, caso o desafiem.
Mas isto é, não obstante, "enlouquecedor", assim como o seu programa minimalista pode ser para alguns dos seus colegas da academia.
A aparente franqueza das avaliações políticas de Chomsky --a sua oposição "previsível", ou até mesmo "automática", ao Ocidente, e especialmente aos Estados Unidos e suas intervenções militares - poderia ser tida como simplista. Mas elas se baseiam em uma montanha de evidências, e em uma análise econômica da maneira como o poder e a informação são compartilhados, distribuídos e negados.
De forma característica, Chomsky começa com uma alegação extremamente simples, que ele depois elabora, criando um relato intrincado dos diferentes papéis do governo, das forças armadas, da mídia e das empresas na tarefa de administrar o mundo.
A postura política aparentemente simples de Chomsky está enraizada em um anarquismo e um coletivismo que geram o seu próprio senso de individualidade e complexidade.
Ele foi atraído para o estudo da língua e da sintaxe por um mentor, Zellig Harris, que também aliou pensamento libertário e lingüística. A idéia-chave de Chomsky de uma capacidade lingüística inata e compartilhada para a cooperação e a inovação é uma negação positiva, e não puramente normativa, do argumento straussiano de que a desigualdade humana natural corrompe a democracia.
O conto de Andersen de um garoto que, para a fúria dos cortesões, afirma que o imperador está nu, possui um sabor chomskiano, não só porque o tema consiste em dizer a verdade aos poderosos, mas também porque a visão simples e infantil se mostrou mais aguçada do que a do olho adulto sofisticado.
Chomsky participou do seminário de Popper na Escola de Economia de Londres, na primavera de 1969, e enalteceu os poderes intelectuais das crianças.
Conforme me recordo, Chomsky explicou como a alteração de vogal, ocorrida na última etapa do inglês medieval, foi parte de uma transformação derivada de uma dinâmica entre gerações. A geração dos pais falava usando pequenas inovações introduzidas por conta própria, às quais se chegou de forma espontânea e improvisada. Jovens em crescimento, devido à sua capacidade sintática inata, ordenaram a língua que ouviram os pais usar por meio de uma estrutura gramática mais inclusiva, que por si própria tornou possível uma mudança mais sistemática.
Na política, o olho da criança pode enxergar diretamente através das insinceridades travestidas de humanitarismo e democracia, percebendo os resultados funestos das intervenções militares ocidentais - Estados destroçados, gangsterismo, narcotráfico, competição das elites favorável aos ocupantes do poder, ódio comunitário e religioso cruel.
Chomsky admite abertamente que prefere as "platitudes pacifistas" à mendacidade beligerante. Isso faz com que alguns o acusem erroneamente de ser "passivo frente ao mal". Mas nem o apartheid na África do Sul, nem o Stalinismo na Rússia, nem os regimes militares da América Latina foram derrotados ou desmantelados por bombardeios ou invasões. Chomsky não teve dificuldade alguma em apoiar a campanha bem sucedida contra o apartheid, ou a retirada indonésia de Timor Leste. Ele simplesmente se opõe a colocar soldados norte-americanos em situação de risco --o que também significa em situações nas quais eles causem danos e aprendam a gostar de agir belicosamente.
A vitória de Chomsky em uma pesquisa na Internet não deve ser supervalorizada. Mas, assim como a vitória de Marx no início de 2005 em uma competição promovida na BBC Radio 4 para determinar quem é o "maior filósofo", ela mostra que as cabeças pensantes ainda se sentem atraídas pelo impulso crítico, acima de tudo quando este é dirigido de forma consistente rumo a um pensamento global único.

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