domingo, julho 30, 2006

Dom Eusébio detona Lula e Heloísa Helena


”Lula tem capa impermeável”

Paulo Barcellos


Sem usar reticências, o cardeal Eusébio Oscar Scheid não restringe os momentos de pregação e reflexão a missas e outras cerimônias religiosas. O arcebispo do Rio de Janeiro ultrapassa os limites da igreja e do altar para ir de encontro ao povo. Seja católico ou não. Em ano de eleição, ainda mais depois de uma série de escândalos detonados em Brasília, a atuação do prelado não poderia ser diferente: por meio de uma espécie de cartilha (Scheid faz restrições ao termo, mas não encontrou definição melhor), intitulada Voto consciente, leva o seu pensamento a comunidades e paróquias do Rio. Objetivo: preparar melhor o eleitor para a escolha dos candidatos. É tarefa árdua, que enfrenta problemas como o analfabetismo, o desconhecimento político e a descrença no sistema eleitoral brasileiro. Mas nada que desanime o pastor que veio de Santa Catarina. Pelo contrário. A cada pergunta sobre política, apresenta-se mais fiel às suas crenças:
Não se pode votar em candidatos desconhecidos. Só porque foi sindicalista, foi (dito com ênfase e repetidas vezes) trabalhador e sabe falar em palanques, não significa um bom candidato. Parece que o político bom é aquele que está na frente, seja com que princípio ético e moral for. Não é assim – alertou, em um fim de tarde, na sua sala, no Edifício João Paulo II, na Glória. Eusébio Oscar Scheid: Aos 73 anos, nasceu em Joaçaba, Santa Catarina. Foi ordenado padre em 1960 e nomeado arcebispo de Florianópolis em 1991. À frente da arquidiocese do Rio de Janeiro desde 2001, o religioso é conhecido por uma personalidade forte, às vezes polêmica.

Quais as expectativas para as eleições em meio à forte crise moral e institucional do Congresso?

Sabemos que a situação é conturbada. No Brasil, os fatores de conturbação estão especialmente em âmbito social. Não foram cumpridas promessas, a não ser as que favoreciam a ressonância política. O que me parece mais difícil são certas premissas subjacentes ao que se quer apresentar. Por exemplo, a própria corrupção que ocupou e ainda ocupa tanto tempo na discussão das diversas CPIs. Nesse processo, o voto é secreto e o parlamentar não mostra sua verdadeira fisionomia. É um dos males graves.

Seria uma forma de distanciar os eleitores dos candidatos que elegeram? Passar por uma situação dessas e pessoas serem novamente apresentadas como candidatos parece até uma ofensa ao eleitorado.
Se as pessoas cometeram atos completamente contrários à ética, como podem ser reapresentadas? Essa é uma situação de fundo que torna praticamente impossível qualquer eleição mais consciente.


O que fazer para ampliar a consciência?
A nossa arquidiocese apresenta uma síntese para ajudar o voto consciente. O ponto de partida é a estrada para a paz. No Brasil temos uma situação insustentável, com dois poderes paralelos: um ataca o outro, e o outro tem medo do um. Já nem sei mais como vamos caminhar com liberdade. O pior mal que existe é a falta de formação política. Não há muito tempo para um aprendizado mais profundo. O meu grande desejo é criar escolas de formação política em três níveis: popular, médio e superior.

Quais os aspectos que os eleitores devem levar em conta antes de decidir o voto?

O povo deve saber da história dos candidatos, em que se baseia sua condição política. A vida do candidato é muito importante. É preciso examinar o partido. Por que, se ele tiver princípios que não são aceitáveis, o candidato também não os terá. Um dos grandes problemas dos partidos é que não há uma política clara, bem definida.

A grande quantidade de legendas no Brasil provoca uma crise de representatividade? Os partidos, até por meio de sobrevivência, não acabam tendo a identidade abalada e até corrompida?
Os países mais avançados em seriedade partidária têm poucos partidos. O número partidário gera confusão. Delimitar uma filosofia, uma didática das propostas para cada partido é muito questionável. Precisa ser um artista ou um grande pensador para conseguir fazer uma síntese. Há um partido – que não vou citar – que seria o ideal, mas ainda é muito pequeno no Brasil.

Muitos candidatos mudam de legenda logo depois de assumirem o cargo. O senhor acredita que o partido ainda decida o voto?

Se um partido trai princípios fundamentais, como o respeito à vida, é digno que o político troque de legenda. Se o ex-deputado Hélio Bicudo e o ex-governador Franco Montoro, por exemplo, trocaram de partido, é porque eles tinham razões muito graves. E eu também não ficaria num partido desses. A possibilidade de se poder contestar saindo de um partido, desde que não seja para outro pior, é saudável.

O troca-troca de partido estimula um voto mais personalista? Como justificar a liderança do presidente Lula nas pesquisas de intenção de voto, mesmo depois dos escândalos envolvendo o PT?

Há duas possibilidades: ou Lula não vive o que o partido quer, ou o partido é completamente nulo para ele, algo que não é admissível. Parece uma grande palhaçada. Prefiro optar pela segunda teoria. É como estar no meio da chuva sem se molhar. Parece que tem uma capa impermeável que o torna imune a todas as coisas. Estou criticando, quero deixar claro, toda a situação não esse ou aquele político específico.

O que representaria a reeleição do Lula?

Penso que o PT intentava quase uma ditadura partidária. Todos os postos estavam ocupados por pessoas do PT. Competentes ou incompetentes, estavam lá. É claro que se essa situação continuar vai ser impossível sustentá-la.

A ascensão da ex-petista Heloísa Helena (PSOL-AL) na corrida presidencial é um sinal de descrença em relação ao PT?

É uma nova ilusão. Como foi o Lula. Dizem que ela vai dar jeito. É o mito do salvador da pátria. Tem ainda um apelo feminista no meio. Ela é respeitada nas suas posições. Mas não tenho dados objetivos para julgar.

A desilusão com a política aumenta os votos nulos?
Sei que há uma grande decepção pelo que houve na corrupção, porque o PT se apresentava como o partido da honestidade e da ética e provou bem que era aético de maneira escandalosa, embora alguns não queiram ver isso, acham tudo jogo político.


Mas a religião também está presente no jogo político, não?
Religião não é política. Mas política contra religião ou atéia não é política também. Mas não se pode jamais confundir – e há partidos que confundem – e fazer da religião um trampolim de lance político e vender o sagrado. Fazem um mercado do sagrado como proposta política. Isto é crime contra a consciência.

Então o senhor é contra a candidatura de religiosos?
Quem é bispo ou pastor, se for realmente um chamado de Deus, e não só uma proposta para se encontrar ocupação de vida. Isso é mais que suficiente para cumprir sua missão, não precisa de cargo político. Dá uma confusão de trabalhos que vai terminar numa balbúrdia.


Mas a confusão também é oriunda do fato de parlamentares serem grandes empresários ou terem influência direta em estatais, não? Esse não seria um dos incentivos à corrupção?
O perigo é que a corrupção está cheirando a um cataclisma cada vez maior. E perpetuar o poder e a situação disso tudo é perda de perspectiva. E, quando o povo perde a perspectiva, tende a ser reivindicativo pelas próprias forças. Não dá para entender como o Brasil chegou a esse grau de violência, de pânico, de medo, sem culpar o governo. E não é só o governo estadual ou local, é o governo federal como responsável pelo todo. Os legisladores e o Executivo ficam em discussões balofas enquanto o problema fundamental não é atingido.

Em síntese, como encarar a situação pré-eleitoral brasileira?
Temos uma situação bem clara. Duas posições: ou você opta por aquilo que lhe interessa ou você quer realmente melhorar a situação. Um candidato tem toda uma demagogia popular e também populista. O outro luta com princípios que são realmente válidos e serão de grande utilidade para o país. Aí está o binômio da dúvida na votação a que estamos obrigados.


Fonte:
Jornal do Brasil, domingo, 30 de julho de 2006

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