Causou furor o desabafo do presidente Lula sobre a gradual caminhada das pessoas para o centro, à medida que se tornam mais maduras. Ele se valeu de tal argumento para justificar a sua atual afinidade com Delfim Netto, seu inimigo histórico dos tempos do regime militar. Embora a assertiva seja verdadeira - realmente, a maioria das pessoas tende a se tornar mais moderada quando envelhece -, no caso específico de Delfim Netto a constatação do presidente não se aplica. Nenhum dos dois está convergindo para o centro. Delfim não é nem nunca foi um liberal. Assim como o próprio Lula, ele sempre foi um estatólatra - alguém que acredita sinceramente no poder do Estado de moldar a natureza humana.
A extrema direita e a extrema esquerda, nesse aspecto, se assemelham. Ambas nutrem um enorme desprezo pelos valores burgueses. Ambas preconizam um Estado acima dos direitos individuais. Nenhuma delas acredita nas virtudes do livre mercado e as duas não mantêm um compromisso indissolúvel com a democracia.
O que se pode dizer de Delfim, o mais poderoso economista de sua geração? Ele trabalhou com meu avô, no início de sua carreira; e meu avô, que não tinha por hábito elogiar ninguém, não poupava palavras de exaltação ao se referir àquele jovem, agitado e obeso professor recém-formado da USP. Ele logo foi arrastado pela carreira pública. De 1967 a 1975 foi o todo-poderoso ministro da Fazenda de dois governos - Costa e Silva e Médici - e voltou a comandar a economia brasileira de 1980 a 1985, no governo Figueiredo. Lembro-me de uma entrevista dele, no início da década de 70, em que se definia como um 'socialista fabiano', posicionamento ideológico que alega manter até hoje. Ele pode ser acusado de tudo, menos de incoerente. Durante os dois períodos em que regeu as finanças do País, embora agisse de forma extremamente pragmática, sempre foi fiel ao dirigismo estatal e cultivou a sua convicção de que tecnocratas bem preparados estão mais aptos a comandar a economia do que rudes empresários, por meio do mercado.
O que significa, afinal, a expressão 'socialismo fabiano'? Na última década do século 19, foi fundada na Inglaterra a Sociedade Fabiana, dirigida pelo lendário casal Webb - Beatrice e Sidney. Composta por alguns dos mais renomados intelectuais da época, a sociedade lançou os alicerces ideológicos do Labour Party, o Partido Trabalhista inglês. Os Webbs não eram marxistas. Não postulavam a luta de classes nem acreditavam na tomada do poder pela força. Seu ideário socialista seria implantado aos poucos, à medida que técnicos qualificados fossem ocupando posições de comando na máquina do Estado.
Outra coisa não fez Delfim Netto, em seus muitos anos de poder. Ele criou toda uma geração de brilhantes tecnocratas - os chamados 'Delfim boys' -, que foram ocupando cargos importantes e estratégicos da administração pública e das empresas estatais. Esse pessoal ainda está todo por aí, a maioria trabalhando na iniciativa privada.
Que ninguém se espante caso o governo Lula venha a aproveitar Delfim em seus quadros ministeriais. Além da afinidade ideológica - ambos têm um 'viés socialista' -, Delfim conta com algo que Lula não tem: uma constelação de quadros técnicos de excelente nível, todos experimentados na lide da máquina pública e, o mais importante, todos absolutamente fieis aos desígnios de seu chefe.
Ora, a maior carência de Lula é de gente gabaritada para o exercício do poder. O 'aparelhamento do Estado' por quadros partidários do PT se revelou, na prática, um fiasco. Organizar passeatas é bem diferente de administrar departamentos. Vale repetir, aqui, a definição usada no artigo anterior: parte dos petistas não se mostrou capaz de nada, enquanto a outra parte se mostrou capaz de tudo.
Se os bravos petistas tivessem ocupado o comando da economia no correr do primeiro mandato, o Brasil não teria os excelentes resultados obtidos nestes últimos quatro anos. Só que agora Lula quer porque quer alcançar grandes acréscimos no PIB. E isso os seus monetaristas não sabem como fazer. E, para tanto, ninguém melhor que Delfim, que foi o mentor do 'milagre econômico' do início da década de 70. Caso venha a ocupar algum ministério no governo, ninguém duvida de que, com a sua reconhecida capacidade de articulação, em pequeno espaço de tempo estará novamente no comando da economia. Ele já fez algo semelhante no governo Figueiredo, quando assumiu como ministro da Agricultura e, em poucos meses, desbancou Mário Henrique Simonsen do todo-poderoso, à época, Ministério do Planejamento.
Delfim, como já reiterei, não é um liberal. É difícil definir a linha ideológica de um economista que, no poder, lança mão de qualquer expediente, seja de que escola econômica for, para alcançar os seus objetivos.
Lula e Delfim têm tudo para formalizar um eficaz casamento por conveniência. Lula, após os escândalos recentes, em que caíram todos os seus mais íntimos auxiliares do governo, é hoje um personagem à procura de um enredo. Delfim tem talento e equipe para lhe fornecer uma trama verossímil. Se dará certo, ninguém sabe. Mas, caso o mago das finanças venha a ser aproveitado no governo, haveremos de assistir a tempos muito interessantes. Nem Lula nem Delfim têm nada a perder com essa aventura. O presidente, porque não dispõe de mais homens de talento para garantir o sucesso de seu segundo mandato. E Delfim, porque, nas últimas eleições, perdeu a sua base eleitoral, formada por uma opinião pública conservadora.
Alguém duvida de que, nesta novela, os dois acabarão juntos?
A extrema direita e a extrema esquerda, nesse aspecto, se assemelham. Ambas nutrem um enorme desprezo pelos valores burgueses. Ambas preconizam um Estado acima dos direitos individuais. Nenhuma delas acredita nas virtudes do livre mercado e as duas não mantêm um compromisso indissolúvel com a democracia.
O que se pode dizer de Delfim, o mais poderoso economista de sua geração? Ele trabalhou com meu avô, no início de sua carreira; e meu avô, que não tinha por hábito elogiar ninguém, não poupava palavras de exaltação ao se referir àquele jovem, agitado e obeso professor recém-formado da USP. Ele logo foi arrastado pela carreira pública. De 1967 a 1975 foi o todo-poderoso ministro da Fazenda de dois governos - Costa e Silva e Médici - e voltou a comandar a economia brasileira de 1980 a 1985, no governo Figueiredo. Lembro-me de uma entrevista dele, no início da década de 70, em que se definia como um 'socialista fabiano', posicionamento ideológico que alega manter até hoje. Ele pode ser acusado de tudo, menos de incoerente. Durante os dois períodos em que regeu as finanças do País, embora agisse de forma extremamente pragmática, sempre foi fiel ao dirigismo estatal e cultivou a sua convicção de que tecnocratas bem preparados estão mais aptos a comandar a economia do que rudes empresários, por meio do mercado.
O que significa, afinal, a expressão 'socialismo fabiano'? Na última década do século 19, foi fundada na Inglaterra a Sociedade Fabiana, dirigida pelo lendário casal Webb - Beatrice e Sidney. Composta por alguns dos mais renomados intelectuais da época, a sociedade lançou os alicerces ideológicos do Labour Party, o Partido Trabalhista inglês. Os Webbs não eram marxistas. Não postulavam a luta de classes nem acreditavam na tomada do poder pela força. Seu ideário socialista seria implantado aos poucos, à medida que técnicos qualificados fossem ocupando posições de comando na máquina do Estado.
Outra coisa não fez Delfim Netto, em seus muitos anos de poder. Ele criou toda uma geração de brilhantes tecnocratas - os chamados 'Delfim boys' -, que foram ocupando cargos importantes e estratégicos da administração pública e das empresas estatais. Esse pessoal ainda está todo por aí, a maioria trabalhando na iniciativa privada.
Que ninguém se espante caso o governo Lula venha a aproveitar Delfim em seus quadros ministeriais. Além da afinidade ideológica - ambos têm um 'viés socialista' -, Delfim conta com algo que Lula não tem: uma constelação de quadros técnicos de excelente nível, todos experimentados na lide da máquina pública e, o mais importante, todos absolutamente fieis aos desígnios de seu chefe.
Ora, a maior carência de Lula é de gente gabaritada para o exercício do poder. O 'aparelhamento do Estado' por quadros partidários do PT se revelou, na prática, um fiasco. Organizar passeatas é bem diferente de administrar departamentos. Vale repetir, aqui, a definição usada no artigo anterior: parte dos petistas não se mostrou capaz de nada, enquanto a outra parte se mostrou capaz de tudo.
Se os bravos petistas tivessem ocupado o comando da economia no correr do primeiro mandato, o Brasil não teria os excelentes resultados obtidos nestes últimos quatro anos. Só que agora Lula quer porque quer alcançar grandes acréscimos no PIB. E isso os seus monetaristas não sabem como fazer. E, para tanto, ninguém melhor que Delfim, que foi o mentor do 'milagre econômico' do início da década de 70. Caso venha a ocupar algum ministério no governo, ninguém duvida de que, com a sua reconhecida capacidade de articulação, em pequeno espaço de tempo estará novamente no comando da economia. Ele já fez algo semelhante no governo Figueiredo, quando assumiu como ministro da Agricultura e, em poucos meses, desbancou Mário Henrique Simonsen do todo-poderoso, à época, Ministério do Planejamento.
Delfim, como já reiterei, não é um liberal. É difícil definir a linha ideológica de um economista que, no poder, lança mão de qualquer expediente, seja de que escola econômica for, para alcançar os seus objetivos.
Lula e Delfim têm tudo para formalizar um eficaz casamento por conveniência. Lula, após os escândalos recentes, em que caíram todos os seus mais íntimos auxiliares do governo, é hoje um personagem à procura de um enredo. Delfim tem talento e equipe para lhe fornecer uma trama verossímil. Se dará certo, ninguém sabe. Mas, caso o mago das finanças venha a ser aproveitado no governo, haveremos de assistir a tempos muito interessantes. Nem Lula nem Delfim têm nada a perder com essa aventura. O presidente, porque não dispõe de mais homens de talento para garantir o sucesso de seu segundo mandato. E Delfim, porque, nas últimas eleições, perdeu a sua base eleitoral, formada por uma opinião pública conservadora.
Alguém duvida de que, nesta novela, os dois acabarão juntos?
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