Todos os anos, em meados de abril, milhares de pessoas invadem os bosques franceses em busca daquela delicada flor branquinha, com que se costuma rechear ramalhetes, chamada gipsófila. É tradição naquele país presentear-se os amigos com ramos dessa flor no feriado de 1º de maio, Dia do Trabalho.
Inteligentemente, o Partido Comunista Francês se aproveitava desse costume para mobilizar seus militantes em torno da colheita, cuja renda revertia integralmente para os seus cofres. Segundo informações do próprio PCF, em 2004 a colheita teria produzido um milhão de pequenos vasos, que teriam gerado uma receita de Є$ 1,5 milhão de euros (R$ 5,4 milhões de reais).
Tudo muito bonito e poético, não fosse a revista francesa "Capital" resolver ouvir um especialista no cultivo de gipsófila que garantiu ser impossível colher tantas flores em tempo tão exíguo. Diante dessa informação, e depois de minuciosa investigação, reportagem de capa da edição de fevereiro de 2004 concluía que a gipsófila era, simplesmente, a mais poética das formas de se lavar dinheiro sujo.
Tipicamente francês, eu diria. Afinal, foi um conterrâneo, o moralista La Rochefoucauld, quem cunhou a famosa expressão "a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude".
Por aqui, também já houve um tempo em que o assovio da poesia e o véu da hipocrisia ocultavam os vícios, simulando a virtude. Era o tempo dos broches, das camisetas, dos bonés que, como a inocente gipsófila, funcionavam como lavanderia dos recursos amealhados em prefeituras companheiras.
Hoje, porém, os escrúpulos foram mandados às favas, optando-se pelo cinismo debochado, pelo escracho escancarado, pela esculhambação desabrida. Não há mais preocupação sequer com as aparências, apenas com os resultados.
A eleição presidencial deste ano teve uma escandalosa quantidade de vícios que macularam o processo eleitoral, distribuindo benesses claramente programadas e agendadas com esse objetivo.
Ou terá sido coincidência que, depois de três anos de reajustes pífios, a elevação do salário mínimo este ano tenha sido de 16,7% para uma inflação de cerca de 5%?
Ou terá sido coincidência a antecipação para setembro do pagamento de metade do 13º salário dos aposentados e pensionistas do INSS?
Ou terá sido coincidência a concessão de reajustes a mais de 110 mil servidores públicos, a um custo de R$ 5,2 bilhões, inclusive atropelando critérios como o da equivalência salarial com o setor privado?
Ou terá sido coincidência a ampliação do Bolsa-Família, cujo número de beneficiárias passou de 8,3 milhões para 11,1 milhões só neste ano?
Pelo andar da carruagem, parece que todos esses malfeitos, além das doações ilegais, serão perdoados pelos nossos tribunais, impondo-nos mais 4 longos anos de desgoverno. Mas que fique bem claro que o que se praticou nessa campanha foi o velho “é dando que se recebe”, o carcomido jabaculê, vulgo jabá, fantasiados de "tudo pelo social".
Voltando aos franceses, era neles que pensava o guru petista Carlito Maia quando dizia "quando a esquerda começa a contar dinheiro, converte-se em direita". Felizmente, seis meses antes do início da era Lula ele preferiu juntar-se aos seus velhos amigos Henfil e Betinho. Privou-se do desconforto de ver confirmadas as suas imprecações contra a esquerda francesa justamente pelas mãos dos seus fiéis companheiros, a quem doara a criação do slogan “oPTei”.
Se vivo fosse, certamente desoptaria, por coerência e aversão à hipocrisia.
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