O escritor inglês Graham Greene (foto) sempre se declarou um apaixonado pela obra do maior autor espanhol de todos os tempos, Miguel de Cervantes, e seu sublime Dom Quixote de la Mancha (ao lado fac-símile da capa da primeira edição da obra). Em sua homenagem, Greene escreveu uma parábola, o livro Monsenhor Quixote, onde traz para o início da década de 80 personagens e situações que lembram as de Dom Quixote. Apenas uma homenagem mesmo, pois Greene jamais tentaria se colocar no alto de uma galeria que abriga nomes como o do próprio Cervantes ou de Shakespeare.
A história de Green é muito simples: numa pequena cidade do interior da Espanha, Toboso, convivem mal um velho padre católico e o prefeito comunista. Por ideologia e pelo temperamento, mal se relacionam. Quando se encontram, por obrigação puramente social, as ofensas são inevitáveis. Não se poderia dizer que prefeito e padre são amigos, nessa fase de suas vidas - muito pelo contrário.
Mas o padre está envelhecendo e tem sérios problemas com o seu bispo, que de Roma emana ordens absurdas e incompreensíveis. Até que chega um jovem padre para substituí-lo. O velho decide ir embora da cidade.
De sua parte, o prefeito comunista também começa a enfrentar resistências na sua própria comunidade, que passa a resistir ao seu empenho na implantação do socialismo. Cidade interiorana, extremamente conservadora, recusa seus métodos, as receitas de Marx, a economia centralizada. Afinal, a Espanha mal saíra da dominação do generalíssimo Franco, que por 50 anos se manteve no poder com o apoio da Igreja Católica. E o prefeito, que prega abertamente o ateísmo, conclui que seus conterrâneos não estão preparados para o novo caminho, o socialismo, a salvação do mundo. E decide também partir.
Mas são dois homens honestos e pobres. Como não tem condução própria, o agora ex-prefeito aceita a carona oferecida de mau grado pelo ex-vigário. O carro do padre é um velho Seat 600, que Greene compara a Rocinante, o cavalo de Dom Quixote.
Um carrinho velho que o padre põe na estrada e os dois partem sem rumo Espanha afora. Colocam no porta-malas suas rotas malinhas e completam com garrafas do delicioso vinho da região.
Sem dinheiro, dormem pela estrada e bebem, cada vez mais. Nesta fase, ainda são quase inimigos. E desde o início da viagem produzem diálogos antológicos, cada qual defendendo com fervor sua convicção.
Em alguns momentos o padre se empolga com o próprio discurso e tenta provar ao prefeito que a salvação está no Senhor; que o caminho é a Santíssima Trindade. O prefeito se enfurece e retruca.
O caminho é a trindade Marx, Engels e Lenin – o novo mundo, a única possibilidade de salvação do mundo. Depois, se o Senhor era a salvação, por que a humanidade ainda se encontra neste estado?
A discussão fica elevada e, obviamente, jamais chegarão a um acordo.
- Se a Santíssima Trindade é a salvação, por que Ela não impediu a Santa Inquisição? – provoca o prefeito.
- E se Marx, Engels e Lenin queriam a igualdade entre os homens, por que não impediram a matança chefiada por Stálin? – retrucou o padre.
Aos poucos a viagem dos dois se transforma numa aventura, cada qual enfrentando seus infortúnios. E, à medida que aumentam seus problemas, os embates teológicos vão perdendo o espaço para os mais simples confrontos do dia a dia, como o de procurar água ou encontrar a melhor sombra para o repouso. Haja vinho e a conseqüente ressaca do dia seguinte. O que importa é que agora são amigos. E enfrentam seus moinhos de vento – no caso, a polícia, que vem vindo aí atrás ao seu encalço.
Para o nosso leitor, a história de Monsenhor Quixote pode se encerrar aqui. Mas ela continua no livro de Grahan Greene, com final surpreendente.
Pois o que interessa agora é convidar o leitor à reflexão. Relembrar as paixões políticas ou religiosas, a vaidade e a soberba, a disputa mortal pela riqueza e pelo poder, ou as pequenas e grandes ditaduras que nos cercam, todas as diferenças. E então meditar sobre o exercício da solidariedade e o da amizade, como no exemplo do padre e do prefeito.
Enfim, o amor ao próximo e o poder da amizade – a verdadeira, tão grata e tão rara.
A história de Green é muito simples: numa pequena cidade do interior da Espanha, Toboso, convivem mal um velho padre católico e o prefeito comunista. Por ideologia e pelo temperamento, mal se relacionam. Quando se encontram, por obrigação puramente social, as ofensas são inevitáveis. Não se poderia dizer que prefeito e padre são amigos, nessa fase de suas vidas - muito pelo contrário.
Mas o padre está envelhecendo e tem sérios problemas com o seu bispo, que de Roma emana ordens absurdas e incompreensíveis. Até que chega um jovem padre para substituí-lo. O velho decide ir embora da cidade.
De sua parte, o prefeito comunista também começa a enfrentar resistências na sua própria comunidade, que passa a resistir ao seu empenho na implantação do socialismo. Cidade interiorana, extremamente conservadora, recusa seus métodos, as receitas de Marx, a economia centralizada. Afinal, a Espanha mal saíra da dominação do generalíssimo Franco, que por 50 anos se manteve no poder com o apoio da Igreja Católica. E o prefeito, que prega abertamente o ateísmo, conclui que seus conterrâneos não estão preparados para o novo caminho, o socialismo, a salvação do mundo. E decide também partir.
Mas são dois homens honestos e pobres. Como não tem condução própria, o agora ex-prefeito aceita a carona oferecida de mau grado pelo ex-vigário. O carro do padre é um velho Seat 600, que Greene compara a Rocinante, o cavalo de Dom Quixote.
Um carrinho velho que o padre põe na estrada e os dois partem sem rumo Espanha afora. Colocam no porta-malas suas rotas malinhas e completam com garrafas do delicioso vinho da região.
Sem dinheiro, dormem pela estrada e bebem, cada vez mais. Nesta fase, ainda são quase inimigos. E desde o início da viagem produzem diálogos antológicos, cada qual defendendo com fervor sua convicção.
Em alguns momentos o padre se empolga com o próprio discurso e tenta provar ao prefeito que a salvação está no Senhor; que o caminho é a Santíssima Trindade. O prefeito se enfurece e retruca.
O caminho é a trindade Marx, Engels e Lenin – o novo mundo, a única possibilidade de salvação do mundo. Depois, se o Senhor era a salvação, por que a humanidade ainda se encontra neste estado?
A discussão fica elevada e, obviamente, jamais chegarão a um acordo.
- Se a Santíssima Trindade é a salvação, por que Ela não impediu a Santa Inquisição? – provoca o prefeito.
- E se Marx, Engels e Lenin queriam a igualdade entre os homens, por que não impediram a matança chefiada por Stálin? – retrucou o padre.
Aos poucos a viagem dos dois se transforma numa aventura, cada qual enfrentando seus infortúnios. E, à medida que aumentam seus problemas, os embates teológicos vão perdendo o espaço para os mais simples confrontos do dia a dia, como o de procurar água ou encontrar a melhor sombra para o repouso. Haja vinho e a conseqüente ressaca do dia seguinte. O que importa é que agora são amigos. E enfrentam seus moinhos de vento – no caso, a polícia, que vem vindo aí atrás ao seu encalço.
Para o nosso leitor, a história de Monsenhor Quixote pode se encerrar aqui. Mas ela continua no livro de Grahan Greene, com final surpreendente.
Pois o que interessa agora é convidar o leitor à reflexão. Relembrar as paixões políticas ou religiosas, a vaidade e a soberba, a disputa mortal pela riqueza e pelo poder, ou as pequenas e grandes ditaduras que nos cercam, todas as diferenças. E então meditar sobre o exercício da solidariedade e o da amizade, como no exemplo do padre e do prefeito.
Enfim, o amor ao próximo e o poder da amizade – a verdadeira, tão grata e tão rara.
PS: Em 1985, Graham Greene e Christopher Neame adaptaram Monsenhor Quixote para um filme estrelando Alec Guinnes e Leo Mackern.
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