sexta-feira, novembro 17, 2006

Biruta rasgada

Um cenário de completa paralisia mesclado por muita especulação é o retrato do Brasil nos dias que seguem à consagração do presidente Lula no 2° turno das eleições presidenciais.
As falas e pronunciamentos oficiais são repetidos em cadeia hierárquica e afinados no diapasão de palanque. A sensação nítida é a de que o governo ainda não se deu conta de que tem à sua frente um presidente reeleito com muitos desafios a enfrentar.

O exemplo mais recente de que as prioridades eleitas são “outras” foi o deslocamento do presidente da República para cabalar votos em país vizinho. Enquanto isso, o Brasil aguarda definições importantes e inadiáveis.

O rol de promessas mirabolantes jamais cumpridas no primeiro mandato foi adaptado e incorporou o mote de um desenvolvimento vigoroso, uma nova versão para o espetáculo do crescimento cujos bilhetes mofaram nos escaninhos palacianos.

Na semana que passou, a expectativa do governo de operacionalizar um crescimento econômico de 5% nos próximos quatro anos sofreu uma contestação técnica de peso. A divulgação de um estudo do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – demonstrou que não existem condições para alcançar tal crescimento.

Os entraves apontados no mencionado estudo são por demais conhecidos: a baixa taxa de investimentos da economia e os gargalos do setor elétrico. Como destaca o instituto, qualquer taxa de crescimento num patamar acima de 4% traria risco de um apagão elétrico. Os integrantes da equipe econômica do governo contestaram a competente análise de maneira pueril. O ministro da Fazenda afirmou que “as condições estão dadas” para um crescimento de 5%.

Vale aqui relembrar o próprio ministro Guido Mantega fazendo previsões superestimadas de crescimento no primeiro semestre. Nessa gestão, o compromisso com a coerência é zero, fica o dito pelo não dito e a platéia que assimile os desmentidos. Os economistas consultados pelo Banco Central na pesquisa Focus reduziram de 3% para 2,97% a projeção de expansão econômica em 2006.

Segundo o IPEA, o País só poderá crescer 5% a partir de 2011. Para isso ocorrer, a dívida pública e os juros teriam que cair; o governo precisaria investir mais e os impostos deveriam ser reduzidos. Sem falar no corte de despesas.

Durante o corrente ano alertamos da tribuna do Senado sobre as limitações físicas ao crescimento e ao escoamento da produção. Os gargalos da infra-estrutura (estradas e portos), bem como o adiamento dos projetos de geração de energia foram ignorados solenemente pelo governo do presidente Lula. De um tapa-buraco ali a um remendo acolá, a crônica de um apagão logístico anunciado vem sendo escrita e só falta enviar para o prelo.

Nesse contexto, é importante destacar que a escassez dos investimentos públicos somada à ausência de marcos regulatórios capazes de atrair o capital privado em áreas nas quais o estado é incapaz de investir constituem agravantes desse imbróglio.

As atuais condições jurídicas e regulatórias para atrair investimentos são precárias. O Banco Mundial, por exemplo, atribuiu uma nota muito baixa ao Brasil no quesito qualidade regulatória. Em que pesem tantas sinalizações preocupantes, inexplicavelmente, não há qualquer novidade no front. O que assistimos é um governo enredado nas suas inúmeras contradições éticas e uma gestão caótica.

Os impasses que nos rondam podem turvar o ambiente econômico e contaminar a própria governabilidade. Em que recinto estão sendo elaborados os projetos estruturantes (obras capazes de reduzir os obstáculos logísticos ao crescimento) ou discutidas alternativas para contornar essas deficiências? Quais são as ações do governo?

Na verdade, não existe nada além de negociações políticas para ocupar os cargos e repartir influências. O compasso de espera é inaceitável. O presidente foi reeleito e precisa agir. Discursos e respostas vazias não irão reverter o quadro instalado. O descaso e a incompetência no trato de questões cruciais – o apagão aéreo é emblemático – refletem a falta de rumo e direção. Tremula em frente ao Palácio do Planalto uma biruta rasgada numa pista onde o atraso virou rotina.

Senador Alvaro Dias, líder da Oposição e vice-presidente nacional do PSDB
sexta-feira, 17 de novembro de 2006

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