quarta-feira, abril 16, 2008

ÁLVARO DIAS - "Se houve conspiração, Lula é o responsável"

Senador diz que dossiê sobre FHC foi obra de petistas contra Dilma, mas admite que oposição é incapaz de abalar o presidente

Por OCTÁVIO COSTA E RUDOLFO LAGO
Qualquer que seja o resultado das investigações que serão conduzidas pela Polícia Federal a respeito do vazamento de informações sobre gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de sua mulher, Ruth – que a oposição batiza de dossiê e o governo chama de banco de dados –, um ponto a essa altura é incontestável: o senador Álvaro Dias (PSDBPR) é um dos personagens centrais desse enredo. Os papéis passaram pelas suas mãos antes de se tornarem públicos. Nesta entrevista à ISTOÉ, o senador oposicionista confirma que teve acesso aos documentos e invoca o direito constitucional de sigilo da fonte para não dar explicações sobre quem lhe levou a papelada. É mais um episódio da guerra pesada que governo e oposição travam no Congresso. Dias, porém, aposta que o vazamento do documento que chamusca a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e a abate em plena tentativa de vôo presidencial, é obra do “fogo amigo” petista que tornou-se público numa manobra precipitada, com o propósito de constranger Dilma. “Nessa selva petista, tucano não sobrevive”, ironiza o senador. O fato é que a papelada, seja qual for seu autor e seu objetivo, serviu de motivação para que Dias voltasse a exercer seu estilo pesado de oposição. No episódio do mensalão, Dias foi o primeiro político adversário a pedir claramente o impeachment do presidente Lula. Para Dias, a oposição perdeu, ali, por timidez, a sua melhor oportunidade de abater Lula. Hoje, padece de um discurso incapaz de retirar o presidente dos seus altos índices de popularidade e enfrenta dificuldades para se manter unida. Lula, na opinião de Dias, é o político “com maior capacidade de transferência de votos” que ele já conheceu nos seus mais de 30 anos de vida política. Isso dá a medida do quanto poderá ser renhida a disputa eleitoral em 2010. Abaixo, a entrevista que Dias concedeu à ISTOÉ em seu gabinete no Senado.
ISTOÉ – Foi o sr. que vazou para a imprensa o dossiê sobre os gastos do presidente Fernando Henrique e dona Ruth?
Álvaro Dias – Evidente que não. O dossiê existe. Isso está comprovado. Foi formatado na Casa Civil. A própria ministra Dilma Rousseff anunciou- o, em São Paulo, quando disse: “Temos uma bala na agulha, não vamos apanhar quietos, estamos fazendo um levantamento sobre os gastos do governo Fernando Henrique Cardoso.” Logo em seguida jornais noticiaram que o governo preparava um dossiê. E coincidentemente o líder do governo no Senado (Romero Jucá) vinha propor a instalação da CPI, mudando a estratégia oficial. Antes, a tentativa de impedir, e, agora, o desejo de instalar. Na esperança de confundir as coisas, desviando o foco para o governo passado.
ISTOÉ – Esse teria sido, então, o objetivo do dossiê?
Dias – Na verdade, houve um duplo objetivo. Primeiro, confundir a opinião pública. E o outro, intimidar a oposição, chamando-a para entendimento. Aliás, o equívoco foi quando ocorreu a elaboração de um requerimento a várias mãos propondo instalar a CPI na Câmara dos Deputados. Nós não dependemos da maioria para instalar CPI no Congresso. Outro equívoco, a meu ver, foi incluir o governo passado. Não havia nenhuma denúncia formalizada.
ISTOÉ – Se a estratégia era essa, como o sr. explica o vazamento?
Dias – O vazamento é a conseqüência. Não existiria vazamento, se não existisse o dossiê. Há uma diferença entre o banco de dados, que existe, e o dossiê, que também existe. Ambos são filhos de uma mesma construção. A identidade é que é diferente. No banco de dados não vão se encontrar nomes como dona Ruth, Arthur Virgílio, Aloísio Nunes. Lá serão encontrados os nomes dos coordenadores das despesas, hoje chamados de ecônomos. Já no dossiê, há uma coluna à direita, de “Observações”, onde se configura um modelo diferente, com os nomes das pessoas e algumas observações que demonstram a má-fé.
ISTOÉ – Como o levantamento chegou a suas mãos?
Dias – Eu não fui fonte das informações, como alguém alegou. Fui ouvido por vários jornalistas, manifestei minha opinião e disse que vi páginas do dossiê. Na verdade, algumas pessoas tiveram acesso a essas informações. Como elas chegaram, não sei dizer. Mas é muito fácil a Polícia Federal descobrir. Estranho é anunciar que a PF vai investigar o vazamento e não investigará a feitura do dossiê. O substantivo é a existência do dossiê, que possibilitou o seu vazamento.
ISTOÉ – Os dados, então, já circulavam pelo Senado?
Dias – A notícia sobre a existência do dossiê circulou desde o início de fevereiro. Então, veio o esforço do governo propondo a CPI no Senado inicialmente, depois se acabou aceitando a CPI mista, numa negociação que realmente não ficou bem. É claro que os farejadores começaram a perseguir esse dossiê e a buscar informações. Eu tive acesso às informações na semana anterior à divulgação. Tive notícias de que outras pessoas também viram. As pessoas temem se apresentar como fonte porque alegam tratar-se de informações sigilosas. Mas não são.
ISTOÉ – Se as informações não são sigilosas, por que o sr. não revela sua fonte?
Dias – Há um erro quando se questiona um senador sobre fontes. As pessoas parecem esquecer que o artigo 56 da Constituição, em seu parágrafo sexto, assegura ao parlamentar não revelar as fontes das suas informações. O sigilo da fonte é essencial no processo democrático, principalmente num país como o nosso, em que os escândalos de corrupção pipocam. Quem ofereceria informações delicadas à imprensa se não tivesse certeza do sigilo? É claro que comprometeria o processo de investigação.
ISTOÉ – O sr. acredita na tese de conspiração contra a candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência?
Dias – Se há conspiração é interna corporis. É uma conspiração doméstica, familiar. Essa ave tucana não sobrevive nessa selva petista do Palácio do Planalto. Se houve conspiração, o presidente da República é o grande responsável. Ele antecipou o processo eleitoral, a meu ver, indevidamente. O PT é um partido de facções. É possível que isso tenha despertado o conflito interno. Eu não saberia assegurar se houve conspiração doméstica e se o presidente deu combustível para o fogo amigo. No vazamento, houve uma precipitação. Talvez alguém que não morra de amores pela candidatura da ministra tenha atravessado o cronograma estabelecido.
ISTOÉ – O sr. vê relação entre os problemas da ministra e a tese da reeleição do presidente Lula?
Dias – Há forte suspeição de que tenha havido aí uma estratégia do presidente. O lançamento da candidatura da ministra seria uma forma de desviar o foco, enquanto ardilosamente se prepara o plano para um terceiro mandato. Até porque a ministra não tem grande apelo popular. Portanto, pode ter sido o modelo ideal para o presidente ocupar o espaço e viabilizar o projeto de terceiro mandato. O deputado autor da proposta na Câmara (Devanir Ribeiro, do PT de São Paulo) é do círculo de amizades do presidente. Enquanto o presidente afirma não desejar o terceiro mandato, o deputado continua agindo. Nós temos o direito de acreditar numa encenação do presidente.
ISTOÉ – A oposição denuncia erros e corrupção do governo, enquanto o presidente vive uma popularidade jamais vista. Por que isso acontece?
Dias – O País está dividido ao meio. Essas denúncias encontram eco numa parte da sociedade, que independe dos programas assistencialistas do governo. Mas isso não tem sido suficiente. O presidente Lula tem, de fato, uma popularidade surpreendente. É o líder político com a maior capacidade de transferência de votos que eu já conheci em 33 anos de mandato eletivo. A minha conclusão é que a população pobre cultiva a virtude da gratidão e responde aos benefícios diretos que recebe. E iludem-se os que acham que seja só o Bolsa Família. O presidente Lula hoje tem uma imagem tão forte que anulou seus coadjuvantes. Eles não existem. É por isso que a população não sabe os nomes dos seus ministros. O governo Lula é Lula. Houve ainda um aparelhamento do Estado e a criação de uma relação de promiscuidade com os movimentos sociais, em convênios ministrados pelos ministérios que vão parar em ONGs ligadas a esses movimentos.
ISTOÉ – Falta à oposição um discurso para essa parcela diretamente beneficiada pelas políticas sociais do governo?
Dias – Falta. A oposição sente-se impotente diante desse arsenal cuja montagem surpreendeu. A verdade é que houve um certo receio da oposição em criticar o governo Lula. Um receio de que prevalecesse a teoria do preconceito. De que estamos criticando Lula porque é um operário e nós da elite estamos combatendo o homem. A oposição tornou-se tímida. O movimento oposicionista cresceu durante a crise do mensalão, mas a oposição perdeu a oportunidade. Eu defendia que se instaurasse ali um processo de impeachment porque havia condições para isso. Reconheço que poderia não haver apoio popular. Mas a obrigação da oposição era propor a instauração do processo, mesmo que o impeachment não viesse a ocorrer. A verdade é que a oposição não ocupou os espaços e não teve capacidade de mobilizar a opinião pública.
ISTOÉ – E agora, em 2008, a oposição pode ter sorte melhor?
Dias – Eu não confundo eleição municipal com eleição federal.
ISTOÉ – Mas o presidente Lula confunde, ele está federalizando as eleições.
Dias – É verdade. O presidente tenta transferir a sua popularidade para aparelhar os municípios com seus prefeitos. É legítimo. Quer aumentar a força eleitoral. Mas não estará em discussão o governo Lula na eleição municipal. São peculiaridades locais. É o caso da aliança entre PSDB e PT em Belo Horizonte. Isso acontece porque os partidos não são unitários e ideológicos. O espectro partidário é o “samba do crioulo doido”. Não há programas, não há ideais. As condições locais é que prevalecem.
ISTOÉ – A aliança entre o PSDB e o DEM está prestes a se acabar?
Dias – Acho que temos de manter a boa relação, principalmente em função da atividade no Legislativo, nessa tarefa difícil de fazer oposição ao presidente Lula. Eu não vejo problemas em que ocorram confrontos entre o PSDB e o DEM nas eleições municipais. Mas alguns deveriam ser evitados. É o caso principalmente de São Paulo. Eu acho que se devem realizar todos os esforços para se estabelecer um projeto único. Há uma relação muito forte entre o Gilberto Kassab e o José Serra. O Kassab é da maior lealdade ao Serra. Eu imagino que seja possível, com uma presença forte do Serra, haver um entendimento. A favor do mais forte. Que não se coloque desde já que é o Geraldo Alckmin. Que se estabeleça um prazo: final de maio. Quem estiver mais bem situado apóia o outro.
ISTOÉ – Se não houver o entendimento, há risco de se perder a eleição?
Dias – Não creio. Acho que Marta Suplicy tem um teto. Haverá segundo turno, e no segundo turno, se não estiverem unidas, as forças de Kassab e Alckmin se unirão. Alckmin é o favorito. É um político já testado no Executivo, que administrou um Estado tão importante, com a complexidade que tem São Paulo, com baixa taxa de rejeição. Isso é um patrimônio extraordinário.
ISTOÉ – Em 2010, o sr. considera possível derrotar um candidato apoiado pelo presidente Lula?
Dias – Sim, porque a transferência de votos tem limites. Não é ele o candidato. Por maior que seja o esforço do presidente Lula com relação aos candidatos postos, a oposição é a grande favorita para 2010.

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