sexta-feira, abril 25, 2008

Desacatos aqui e acolá

Em tempos de pouco apreço às leis e aos tratados internacionais se impõe um rasgo de lucidez. Pautado pelo equilíbrio, o ministro Celso de Mello respondeu às críticas de integrantes do primeiro escalão do Governo Federal sobre a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal no caso da retirada dos produtores de arroz da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima: "a decisão do Supremo Tribunal Federal foi um claro exercício de prudência".
A propósito, é hora de um amplo exercício de prudência. A imprudência e os imprudentes desafiam o ordenamento jurídico e parecem querer transformar o País em uma terra sem lei. Os ataques às decisões do Supremo vão se incorporando à rotina das autoridades do Governo. Essa trajetória precisa ser interrompida. Essa postura não se coaduna com o Estado Democrático de Direito.

Como ator da atual ‘temporada de desacatos', expressão cunhada pela jornalista Dora Kramer, o MST patrocinou diversas invasões na seqüência da operação Abril Vermelho. A paralisação da Estrada de Ferro Carajás, controlada pela mineradora Vale do Rio Doce - ápice da escalada da falta de respeito ao ordenamento jurídico - gerou perdas equivalentes a um dia de produção: 280 mil toneladas de minério de ferro, um prejuízo avaliado em 20 milhões de dólares.

Não posso deixar passar em branco que, no seu nascedouro, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra despontou como um sonho, merecendo aplausos em todo o mundo. Em tempos idos, o louvamos como esperança de bandeira de luta a favor da reforma agrária. Infelizmente, foi invadido por pseudo-lideranças que, na verdade, sequer conhecem o campo. Desde então, passou a ser o MST uma ferramenta política utilizada especialmente em campanhas eleitorais. Desvirtuado e partidarizado, se distanciou dos verdadeiros interesses do trabalhador rural e fez o jogo comezinho de falsas lideranças urbanas travestidas de homem do campo.

Com a posse do Presidente Lula estabeleceu-se uma relação, dita, de promiscuidade: recursos públicos foram desviados para atender outros objetivos e não aqueles pelos quais foram alocados através de convênios celebrados entre diversos ministérios e organizações, que se colocaram como braço avançado do Movimento, já que ele não possui personalidade jurídica.

Eu tive a oportunidade de presidir a CPMI da Terra. Fizemos um diagnóstico e concluímos que a estrutura agrária brasileira é o maior vilão dos graves problemas fundiários que nos afligem. Na esteira das distorções, o desrespeito à lei é rotina, um cenário no qual prevalece a lei da selva no vácuo da ausência absoluta da autoridade governamental.

As transgressões de todos os matizes, o desacato à autoridade, o desrespeito ao poder constituído, sobretudo ao Poder Judiciário, não podem emoldurar a cena nacional. A semana foi tomada pelas manchetes e editoriais sobre o intento errático do presidente eleito do Paraguai, Fernando Lugo, de rever o Tratado de Itaipu. Eu me surpreendi com o fato de o Governo brasileiro ter ouvido calado, durante toda a campanha eleitoral no Paraguai, o que ouvimos. A plataforma do Lugo foi centrada na revisão ampla e irrestrita do Tratado.

O Governo brasileiro não se pronunciou e começa a falar demonstrando uma falta de articulação incompreensível: o presidente da República diz uma coisa; a diplomacia diz outra, e, logo a seguir, o ministro de Minas e Energia se pronuncia diferentemente. Assim se estabelece a torre de babel nas fileiras governamentais.

É preciso estabelecer sincronia e unicidade nas falas oficiais. Estamos pagando o preço justo pela energia que compramos do nosso vizinho. O montante pago pelo Brasil envolve itens como financiamento, serviços da dívida, distribuição de royalties, custo operacional da própria usina etc.

O preço que pagamos ao Paraguai pela energia de Itaipu é adequado e se subordina a um tratado assinado em 1973, cuja revisão é prevista apenas para 2023. Entendemos que adotar a lógica da ‘boa vizinhança' e penalizar o consumidor brasileiro com aumento de tarifas seria um contra-senso.

Rendo as minhas homenagens ao povo paraguaio por ratificar a democracia e destaco que o meu posicionamento reflete apenas a visão em torno de um tratado celebrado entre duas nações soberanas e que deve ser respeitado. A complacência e o desapego à legalidade não devem reger nem as relações bilaterais nem pautar a vida em sociedade.


Senador Alvaro Dias - 2º Vice Presidente do Senado, vice-líder do PSDB

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