terça-feira, abril 08, 2008

“De Quoi Sarkozy Est-il le Nom?” (Sarkozy É o Nome de Quê?)

Em seu novo livro, o filósofo Alain Badiou diz que o presidente francês é sintoma do medo e das divisões da sociedade francesa

O filósofo Alain Badiou (foto), de 70 anos, ex-aluno do marxista Louis Althusser e um dos principais pensadores da atualidade, transformou seu seminário do ano passado na École Normale Supérieure, em Paris, em espaço de discussão sobre a eleição de Nicolas Sarkozy e o que ela representa no cenário político de uma França na qual a esquerda vive uma crise sem precedentes.
O livro “De Quoi Sarkozy Est-il le Nom?” (Sarkozy É o Nome de Quê?) é o resumo daqueles seminários numa das escolas que formam a elite intelectual francesa. Badiou apresenta o novo presidente francês como um sintoma da sociedade que ultrapassa o próprio personagem. Ele vê seu país caminhar para “cair no modelo ianque, a dominação dos ricos, o duro trabalho dos pobres, o controle de todos, a suspeita sistemática para com os estrangeiros, o desprezo dos povos que não vivem como nós”.
Badiou captou o mal-estar sentido por parte dos franceses que vivem, segundo ele, uma ressurgimento do “pétainismo”, cuja principal característica é um desejo de segurança. Enfim, Sarkozy seria produto do medo. Produto de uma história francesa dividida entre dois pólos: revolução e contra-revolução, resistência e colaboração, desejo de liberdade e igualdade e desejo de autoritarismo e ordem.
“Acho que Sarkozy tem uma visão deformada da humanidade. Ele pensa que todo mundo pode ser corrompido, me parece profundamente convencido disso. Na sua opinião, todo mundo tem um preço. Ele tem medo de encontrar pessoas que não têm preço”, diz Badiou.
Em poucos meses, a obra vendeu 20 mil exemplares, um sucesso extraordinário no mundo das idéias e sobretudo no campo filosófico. Os livros de Badiou não costumam vender mais de 3 mil exemplares.
Na entrevista a seguir, Badiou afirma que Sarkozy representa o fim de um longo período histórico na França e defende que o Partido Comunista Francês seja dissolvido e as idéias marxistas sejam retomadas em um outro dispositivo político _nem a internacional de Marx, nem o partido de Lênin. "Hegel dizia: 'Tudo o que nasce merece morrer'. Pois bem, o Partido Comunista Francês nasceu em 1920 e pode morrer em 2010", diz o filósofo.

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O que levou o sr. a escrever este livro?
Alain Badiou: Durante meu grande seminário público do ano passado, senti quase fisicamente que as pessoas estavam preocupadas com a eleição presidencial e que, mesmo que não fosse meu tema, era preciso falar disso. É o que afirmo no início do livro.
Eu disse: vejo que é preciso que lhes fale disso, e então fiz uma aula antes da eleição e duas outras após a eleição. Foi no contato direto com o público que freqüenta meu seminário na École Normale Supérieure que senti que deveria, na qualidade de filósofo, falar sobre o problema. Antes da eleição, porque eles estavam preocupados, e depois, porque estavam deprimidos.

O sr. pode explicar o título do livro?
Badiou: Acho que o significado da eleição de Nicolas Sarkozy (foto) ultrapassa sua pessoa. Eu não queria somente falar do personagem, queria falar do que se passa hoje e de fatos que são resumidos nesse personagem. Isso é mais importante que o personagem, e por isso intitulei meu livro “De Quoi Sarkozy Est-il le Nom?”. Essa é a pergunta importante. Quis explicar às pessoas que não era minha opinião sobre Sarkozy, mesmo que eu tenha uma opinião sobre ele e a expresse, mas a questão era explicar o que estava acontecendo com essa eleição de Sarkozy. É uma situação política na qual Sarkozy é mais um nome que uma força verdadeira.

Na Itália, os políticos e a política perdem credibilidade junto aos eleitores. Sarkozy, que foi comparado a Berlusconi, vai na direção do descrédito da política?
Badiou: Há duas razões que me fazem pensar que Sarkozy vai contribuir para tornar as pessoas mais céticas em relação à política. A primeira é que ele é extraordinariamente cínico do ponto de vista da relação da política com o dinheiro. Ele freqüenta abertamente os milionários, fez um presente aos ricos com diminuição de impostos.
Quando, logo depois de sua eleição, foi jantar no Fouquet’s, grande restaurante de ricos, e quando partiu num cruzeiro no iate de um milionário, ele fazia isso de maneira deliberada. Quer que todo mundo possa dizer: “Sou rico, tenho o direito de ser rico”. Ele quer que os políticos possam freqüentar os ricos de maneira aberta. Isso é uma mudança na França, é uma novidade. Mitterrand, por exemplo, disse a seu ministro Tapie, que era um homem de negócios: “Cuidado, os franceses não amam o dinheiro”.
Um dos objetivos de Sarkozy é fazer com que os franceses amem o dinheiro, e isso é uma corrupção intelectual, essa ligação cínica entre a política e o dinheiro. Um dia ou outro haverá escândalos. Sem dúvida, haverá escândalos. E a segunda razão é que ele agrava o caráter espetacular da política. Ele passa o seu tempo a utilizar a mídia, com golpes espetaculares, ele está em toda parte, não por razões políticas profundas, mas porque quer se mostrar. Resumindo, sua relação com o dinheiro, com a mídia e com o espetáculo, acho que tudo isso não vai numa boa direção e não contribui para devolver a confiança nos políticos e na política.

Alguns políticos socialistas aderiram ao governo de Sarkozy. Ser socialista na França é realmente ser de esquerda?
Badiou: Acho que os socialistas na França se adaptaram à política governamental e ao sistema econômico e político dominante. Pouco a pouco. A diferença é mais ou menos a que há entre os republicanos e os democratas nos Estados Unidos. São partidos que na realidade estão de acordo sobre a parte mais importante da política, da gestão do Estado e da gestão da economia e que têm uma pequena diferença no tratamento da questão social. Mas, desse ponto de vista, acho que a palavra socialismo não quer mais dizer grande coisa.
Durante muito tempo e mesmo no início do governo Mitterrand a palavra "socialismo" significava que se ia nacionalizar a economia, os grandes bancos etc. Eles desistiram completamente disso. Penso que a diferença entre a esquerda e a direita, entre os socialistas e o partido dominante é muito pequena, o que explica aliás que importantes socialistas possam fazer parte do governo Sarkozy. E haverá outros. Fala-se muito da possibilidade de Jack Lang tornar-se ministro da Justiça. Eu diria que a identidade política é mais importante que a diferença hoje.

A França era vista como o último bastião da luta contra a dominação americana. O sr. diz que sob Sarkozy ela vai “cair no modelo ianque, a dominação dos ricos, o duro trabalho dos pobres, o controle de todos, a suspeita sistemática para com os estrangeiros, o desprezo dos povos que não vivem como nós”. É esse o futuro da França?
Badiou: Sem dúvida. Infelizmente, penso que isso é certo. Veja o discurso de Sarkozy sobre o homem africano, sua verdadeira alegria em ser recebido por Bush e por sua família, a decisão de participar mais ativamente da guerra no Afeganistão. Começa-se a falar da entrada da França na Otan e, em política interna, ele dá aos ricos menos impostos e, aos pobres, mais trabalho. Creio que nos dirigimos para um modelo americano de sociedade. Aliás, isso é o que se chama na França há muitos anos de modernização.
Quando você é pobre e do povo e lhe falam de modernização, desconfie. Isso quer dizer que eles vão fazer uma revisão das leis trabalhistas. Será uma data muito importante na história do regime, e mesmo na história da França, já que eles vão transformar as leis trabalhistas para agradar evidentemente ao patronato.
Do ponto de vista do modelo de sociedade, é para isso que a gente caminha, e, do ponto de vista da política externa, caminhamos na direção de uma normalização da política francesa. O gaullismo representava uma pequena exceção francesa, um pouco de distância em relação aos americanos.

Sarkozy fará um alinhamento automático com os Estados Unidos?
Badiou: Acho que as coisas se farão progressivamente e lentamente. Vai depender das posições das outras potências européias. A França é muito próxima das posições alemãs. Mas essa é uma tendência. A tendência é de se alinhar com o que chamamos de Ocidente.

O sr. se chocou com os panfletos que a polícia colocou nas caixas de correio para pedir à população que denuncie as pessoas que participaram de confrontos em Villiers-le-Bel, em novembro de 2007?
Badiou: Isso me chocou muito. Você sabe que no meu livro falei da época do pétainismo (do general Pétain, que governou a França na época da ocupação nazista) e da Colaboração (com o nazismo). Acho que incitar as pessoas à delação e à denúncia é uma coisa horrível. Que a polícia faça seu trabalho. Não é preciso transformar todo mundo em espião de seu vizinho.
Acho que isso ajuda a criar uma atmosfera detestável e não é uma boa forma de resolver os problemas dos bairros populares. Isso vai indispor as pessoas umas contra as outras, vai colocar os adultos contra os jovens, vai dividir os estrangeiros e os franceses. Essa prática é detestável. Fiquei chocado, mas não surpreso, infelizmente.

O sr. diz no livro: "O que Sarkozy mais teme é que seu medo se torne visível". Qual é o medo de Sarkozy ?
Badiou: O medo principal de Sarkozy é o de encontrar uma resistência verdadeira no campo político ou popular. Ele é um homem que tem necessidade de seduzir todo mundo. Ele funciona com cooptação. Logo se viu isso. Ele é um homem que pensa que não existe mais verdadeira oposição. Por isso, acho que é um homem que ficaria muito à vontade com um partido único.
Penso que ele teme as oposições verdadeiras, os conflitos verdadeiros e que só está à vontade quando existe um consenso, quando há acordo. Ele governa de maneira clara pela cooptação e pela corrupção. Acho que ele tem uma visão deformada da humanidade. Ele pensa que todo mundo pode ser corrompido. Ele me parece profundamente convencido disso. Todo mundo tem um preço a seu ver. Ele tem medo de encontrar pessoas que não têm preço.

O sr. pensa que ele ousaria suspender o direito de greve?
Badiou: Ele tenta por todas as formas limitar esse direito. Já existe o serviço mínimo, que é uma restrição ao direito de greve. Mas tudo vai depender da relação de forças, do que vai acontecer nos movimentos sociais nos próximos meses e anos. Isso vai ser determinante.
Se o compararmos a Thatcher na Inglaterra que também era pela modernização e que devastou literalmente a Inglaterra, vê-se que um episódio fundamental foi o momento em que Thatcher conseguiu quebrar a greve dos mineiros. Isso foi um episódio central para seu governo. Haverá algo análogo para Sarkozy? Será que, em determinado momento, vai haver uma prova de força da qual surgirá claramente um vencedor e um vencido? Não se sabe ainda.
As coisas ainda estão indefinidas. No meu livro, digo que Sarkozy representa o fim de um longo período histórico na França em que imperava a balança direita-esquerda. Ele inaugura algo novo e como sempre não se sabe onde isso vai chegar.

Ele sabe o que quer e onde vai ?
Badiou: Acho que não. Por isso ele é mais o nome do período que seu ator. Penso que ele mesmo não sabe muito bem onde vai. Ele tem o gozo do poder de uma maneira muito visível. Mas, fora esse gozo do poder e de algumas direções da qual eu falei antes, americanização no sentido amplo, por onde isso vai passar, quais vão ser os detalhes da vida política na França, não se sabe ainda.

Sartre dizia que "a esquerda é um grande cadáver que cheira mal". O que está acontecendo com a esquerda francesa que não consegue encontrar um líder ou líderes para reestruturá-la?
Badiou: Acho que Sarkozy encontrou uma forma de transformar a direita. Ele encontrou um meio essencial que foi a reunificação da direita e da extrema-direita. É preciso ver que Sarkozy ganhou porque tirou votos do Front National (de Jean-Marie Le Pen). Atualmente não existe um processo simétrico à esquerda. A grande questão da esquerda oficial é saber se ela é capaz de unificar a esquerda e a extrema-esquerda.
É preciso saber que o reino de Mitterrand foi fundado inteiramente sobre o fato de que o Partido Socialista e o Partido Comunista pela primeira vez em suas histórias se aliaram, e que o Partido Socialista “comeu” o Partido Comunista. Mitterrand comeu o Partido Comunista como Sarkozy comeu o Front National. Isto é absolutamente simétrico.

Comento
Uma coisa que a entrevista do senhor Badiou não revelou, é que Sarkosy venceu a eleição, principalmente por falar àqueles que pagam a conta das políticas governamentais. E a conta, para classe média francesa, sempre foi muito alta.

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