Os alertas de que a crise da economia americana é mais séria do que se imaginava partiram hoje de muitos lugares, notadamente Banco Mundial e FMI. Nem precisava. Basta uma pesquisa na Internet para verificar a turbulência nos mercados mundiais. Até o ministro Guido Mantega (Fazenda) está dizendo que o bicho é feio, não é? O governo começa a abandonar a tese de um país blindado contra os solavancos.
Cumpre recuperar aqui um trecho da entrevista de Alan Greenspan (foto), ex-presidente do Fed, concedida a Marcio Aith, editor-executivo de VEJA, em setembro do ano passado, publicada na edição nº 2026. O seu prognóstico de curto prazo está se cumprindo. Mas verifiquem que há advertências também sobre o médio prazo, que incluem uma sacudidela na economia chinesa. Todos torceram para que Greenspan estivesse sendo apenas pessimista em relação ao estouro na bolha imobiliária. Não estava. Era realismo. Tomara que esteja errado sobre a outra parte de suas antevisões. Seguem trechos da entrevista:
O MUNDO VIVE UMA DE SUAS MAIS LONGAS FASES DE PROSPERIDADE. QUANDO ELA ACABA?
Essa expansão ocorre em um ambiente raro de inflação e juros baixos. Isso não vai durar para sempre. Já há sinais claros de que seus motores perdem força, ao menos nos Estados Unidos. As grandes empresas já estão investindo cada vez menos, passaram a recomprar volumes cada vez maiores de suas próprias ações e a distribuir mais dividendos. Essa mudança de comportamento só ocorre quando o mundo corporativo não encontra melhor uso para o dinheiro. Além disso, o preço de produtos de alta tecnologia tem caído com menor velocidade. É um indício de que esses produtos têm sido renovados com mais lentidão. Juntos, esses fatores sinalizam a redução do potencial de crescimento do país porque, quanto menores forem os investimentos em tecnologia, mais lento é o avanço da produtividade. Em conseqüência, menor é a capacidade de um país crescer sem inflação.
NÃO É APENAS UM SOLUÇO?
Temo que não. Tenho observado os ciclos econômicos desde a década de 40. Com tal profundidade e persistência, as mudanças tecnológicas que alavancaram a produtividade ocorrem apenas a cada cinqüenta ou 100 anos. Historicamente, nas economias avançadas, as pessoas parecem ser incapazes de aumentar sua produção por hora a taxas superiores a 3% ao ano durante períodos prolongados. Essa é, aparentemente, a velocidade máxima com que a inovação humana é capaz de impulsionar o padrão de vida das sociedades. É o limite da inteligência humana. Essa taxa chegou a 6% em alguns anos da década de 90. O mais natural é que retorne, com o tempo, a seu padrão natural. Só que em um ambiente econômico muito mais eficiente, sem rupturas, em que as crises são mais facilmente acomodadas. Há muitos desafios à frente, mas o mundo, especialmente os Estados Unidos, é hoje mais capaz de absorver rupturas e de se recuperar de choques.
O QUE FAZ A ECONOMIA MUNDIAL SER HOJE MAIS EFICIENTE?
O mundo do capitalismo global é mais flexível, resistente, aberto, autocorretivo e adaptável do que antes. O controle dos governos sobre a vida diária dos cidadãos diminuiu, as forças do mercado substituíram alguns poderes que estavam nas mãos do estado e várias barreiras que impunham limites ao empreendedorismo foram eliminadas. Veja o caso da economia americana. Sua maior força é a resiliência proporcionada pela desregulação dos mercados financeiros e por uma maior flexibilidade dos mercados de trabalho. E, mais recentemente, pelos grandes avanços da tecnologia da informação. Esses avanços vão ficar.
EM SEU LIVRO, O SENHOR DIZ QUE, ALÉM DA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA, A TRANSFORMAÇÃO DA CHINA EM UMA ECONOMIA DE MERCADO EXPORTADORA PERMITIU QUE A INFLAÇÃO MUNDIAL PERMANECESSE SOB CONTROLE, MESMO COM JUROS BAIXOS. POR QUANTO TEMPO A CHINA CONTINUARA INUNDANDO O MUNDO COM PRODUTOS BARATOS?
Não por muito tempo. Isso também já está mudando. O preço das exportações chinesas tem subido substancialmente desde que finalizei meu livro, em junho. O que isso significa? Que talvez o impacto desinflacionário máximo do processo de transformação da China numa economia de mercado já tenha sido atingido. De agora em diante, ocorrerá com menos intensidade. Será mais difícil manter a taxa de inflação mundial na casa de um dígito, verificada em quase todo o mundo. É a primeira vez que se registra uma inflação tão baixa desde o fim do padrão-ouro e da adoção do papel-moeda, na década de 30.
PODE-SE AFIRMAR ENTÃO QUE O SENHOR DEIXOU A PRESIDÊNCIA DO FEDERAL RESERVE NO FIM DA FESTA E SEU SUCESSOR, BEN BERNANKE, É QUEM VAI AMARGAR A RESSACA?
É verdade. Tive muita sorte como presidente do Federal Reserve. Muitos economistas creditam o controle inflacionário das últimas décadas principalmente à vigilância dos bancos centrais. Mas eu não creio que as ações ou a credibilidade monetária tenham tido um papel tão essencial. Esse controle pode ser creditado à tecnologia, à transformação da China em economia de mercado e à globalização. Ao longo dos anos 90, fiquei muito impressionado com a facilidade com que passamos a influenciar, com a política monetária, a taxa de juros de longo prazo. Ficou mais fácil cumprir a missão. Creio que haverá mais pressão inflacionária no futuro próximo. Sob o ponto de vista dos preços, a economia americana deverá entrar em um período similar ao registrado entre 1945 e 1980.
A ATUAL TURBULÊNCIA NOS MERCADOS TEM ALGUMA RELAÇÃO COM ESSE CENÁRIO?
Não, são fenômenos distintos. Mas é preocupante. Freqüentemente temos crises de natureza bancária ou mobiliária. A atual turbulência tem as duas. Começou nos ativos lastreados em créditos mobiliários, refletiu-se nos títulos emitidos por empresas e acabou contagiando os bancos comerciais e os bancos de investimentos. As instituições financeiras começaram a correr atrás de seus devedores e a se preocupar com seu próprio capital. Nesse processo, passaram a emprestar menos. Felizmente as grandes companhias estão em excelente forma financeira, e a economia americana tem essa capacidade extraordinária de recuperar-se de choques.
JÁ HAVIA SINAIS DA BOLHA IMOBILIÁRIA QUANDO O SENHOR DEIXOU O CARGO?
Havia alguns sinais, mas só percebi sua extensão e gravidade no fim de minha gestão, entre 2005 e 2006.
COMO O SENHOR REAGE À CRITICA DE QUE, EM SUA GESTÃO, O FED ALIMENTOU ESSA BOLHA AO MANTER TAXAS DE JURO EXCESSIVAMENTE BAIXAS?
A política monetária produz efeitos complexos. Quando o problema foi se revelando para nós em sua plenitude, concluímos que nosso trabalho era o de impedir que o sistema bancário americano se paralisasse. Só assim asseguraríamos o funcionamento da economia.
QUAL É O PRINCIPAL ENTRAVE À SOLUÇÃO DA ATUAL CRISE?
Temos cerca de 200 000 residências, recém-construídas ou quase acabadas, que ainda não foram vendidas. Estão penduradas no mercado. Só 5 000 delas são liquidadas por mês. Ao mesmo tempo, o ritmo de construção de novas casas mantém-se elevado. A não ser que haja drástica redução na construção de novas residências ou o aumento das vendas das que já existem, o preço de todos os imóveis vai despencar. A história ensina que isso afetaria a propensão ao consumo dos americanos. Acredite, ninguém quer que isso ocorra.
NOS ÚLTIMOS ANOS, CONVENCIONOU-SE QUE COMPLEXAS ESTRUTURAS DE CRÉDITOS PROMOVERIAM A DIVERSIFICAÇÃO DO RISCO E REDUZIRIAM A VULNERABILIDADE DO SISTEMA BANCÁRIO. HÁ QUEM DIGA AGORA QUE ESSA CAPACIDADE DE DISPERSÃO SEJA JUSTAMENTE O PROBLEMA, JÁ QUE NINGUÉM SABE QUAIS INVESTIDORES FORAM "CONTAMINADOS" POR TÍTULOS GARANTIDOS POR CRÉDITOS IMOBILIÁRIOS PODRES.
É verdade que ninguém sabe onde os créditos podres estão. Mas, nesta altura do jogo, isso não tem importância. O crucial é saber se os donos desses papéis têm alguma noção de seu valor de mercado. Algo me diz que grande parte deles nunca soube, mesmo quando os compraram. O pânico paralisante do mercado só vai se dissipar quando esses investidores descobrirem o valor real dos papéis que têm em mãos. Isso poderá ser um choque, mas eles seguirão adiante. O problema é o medo paralisante, não a constatação de que se perdeu dinheiro. De vez em quando há surtos de exuberância descolados da realidade. Quando a realidade se assenta, a exuberância se converte em medo. O medo é a base de muitas de nossas reações econômicas. É o fundamento da aversão ao risco. É a maior causa das crises.
(...)
Leia íntegra da entrevista aqui
Cumpre recuperar aqui um trecho da entrevista de Alan Greenspan (foto), ex-presidente do Fed, concedida a Marcio Aith, editor-executivo de VEJA, em setembro do ano passado, publicada na edição nº 2026. O seu prognóstico de curto prazo está se cumprindo. Mas verifiquem que há advertências também sobre o médio prazo, que incluem uma sacudidela na economia chinesa. Todos torceram para que Greenspan estivesse sendo apenas pessimista em relação ao estouro na bolha imobiliária. Não estava. Era realismo. Tomara que esteja errado sobre a outra parte de suas antevisões. Seguem trechos da entrevista:
O MUNDO VIVE UMA DE SUAS MAIS LONGAS FASES DE PROSPERIDADE. QUANDO ELA ACABA?
Essa expansão ocorre em um ambiente raro de inflação e juros baixos. Isso não vai durar para sempre. Já há sinais claros de que seus motores perdem força, ao menos nos Estados Unidos. As grandes empresas já estão investindo cada vez menos, passaram a recomprar volumes cada vez maiores de suas próprias ações e a distribuir mais dividendos. Essa mudança de comportamento só ocorre quando o mundo corporativo não encontra melhor uso para o dinheiro. Além disso, o preço de produtos de alta tecnologia tem caído com menor velocidade. É um indício de que esses produtos têm sido renovados com mais lentidão. Juntos, esses fatores sinalizam a redução do potencial de crescimento do país porque, quanto menores forem os investimentos em tecnologia, mais lento é o avanço da produtividade. Em conseqüência, menor é a capacidade de um país crescer sem inflação.
NÃO É APENAS UM SOLUÇO?
Temo que não. Tenho observado os ciclos econômicos desde a década de 40. Com tal profundidade e persistência, as mudanças tecnológicas que alavancaram a produtividade ocorrem apenas a cada cinqüenta ou 100 anos. Historicamente, nas economias avançadas, as pessoas parecem ser incapazes de aumentar sua produção por hora a taxas superiores a 3% ao ano durante períodos prolongados. Essa é, aparentemente, a velocidade máxima com que a inovação humana é capaz de impulsionar o padrão de vida das sociedades. É o limite da inteligência humana. Essa taxa chegou a 6% em alguns anos da década de 90. O mais natural é que retorne, com o tempo, a seu padrão natural. Só que em um ambiente econômico muito mais eficiente, sem rupturas, em que as crises são mais facilmente acomodadas. Há muitos desafios à frente, mas o mundo, especialmente os Estados Unidos, é hoje mais capaz de absorver rupturas e de se recuperar de choques.
O QUE FAZ A ECONOMIA MUNDIAL SER HOJE MAIS EFICIENTE?
O mundo do capitalismo global é mais flexível, resistente, aberto, autocorretivo e adaptável do que antes. O controle dos governos sobre a vida diária dos cidadãos diminuiu, as forças do mercado substituíram alguns poderes que estavam nas mãos do estado e várias barreiras que impunham limites ao empreendedorismo foram eliminadas. Veja o caso da economia americana. Sua maior força é a resiliência proporcionada pela desregulação dos mercados financeiros e por uma maior flexibilidade dos mercados de trabalho. E, mais recentemente, pelos grandes avanços da tecnologia da informação. Esses avanços vão ficar.
EM SEU LIVRO, O SENHOR DIZ QUE, ALÉM DA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA, A TRANSFORMAÇÃO DA CHINA EM UMA ECONOMIA DE MERCADO EXPORTADORA PERMITIU QUE A INFLAÇÃO MUNDIAL PERMANECESSE SOB CONTROLE, MESMO COM JUROS BAIXOS. POR QUANTO TEMPO A CHINA CONTINUARA INUNDANDO O MUNDO COM PRODUTOS BARATOS?
Não por muito tempo. Isso também já está mudando. O preço das exportações chinesas tem subido substancialmente desde que finalizei meu livro, em junho. O que isso significa? Que talvez o impacto desinflacionário máximo do processo de transformação da China numa economia de mercado já tenha sido atingido. De agora em diante, ocorrerá com menos intensidade. Será mais difícil manter a taxa de inflação mundial na casa de um dígito, verificada em quase todo o mundo. É a primeira vez que se registra uma inflação tão baixa desde o fim do padrão-ouro e da adoção do papel-moeda, na década de 30.
PODE-SE AFIRMAR ENTÃO QUE O SENHOR DEIXOU A PRESIDÊNCIA DO FEDERAL RESERVE NO FIM DA FESTA E SEU SUCESSOR, BEN BERNANKE, É QUEM VAI AMARGAR A RESSACA?
É verdade. Tive muita sorte como presidente do Federal Reserve. Muitos economistas creditam o controle inflacionário das últimas décadas principalmente à vigilância dos bancos centrais. Mas eu não creio que as ações ou a credibilidade monetária tenham tido um papel tão essencial. Esse controle pode ser creditado à tecnologia, à transformação da China em economia de mercado e à globalização. Ao longo dos anos 90, fiquei muito impressionado com a facilidade com que passamos a influenciar, com a política monetária, a taxa de juros de longo prazo. Ficou mais fácil cumprir a missão. Creio que haverá mais pressão inflacionária no futuro próximo. Sob o ponto de vista dos preços, a economia americana deverá entrar em um período similar ao registrado entre 1945 e 1980.
A ATUAL TURBULÊNCIA NOS MERCADOS TEM ALGUMA RELAÇÃO COM ESSE CENÁRIO?
Não, são fenômenos distintos. Mas é preocupante. Freqüentemente temos crises de natureza bancária ou mobiliária. A atual turbulência tem as duas. Começou nos ativos lastreados em créditos mobiliários, refletiu-se nos títulos emitidos por empresas e acabou contagiando os bancos comerciais e os bancos de investimentos. As instituições financeiras começaram a correr atrás de seus devedores e a se preocupar com seu próprio capital. Nesse processo, passaram a emprestar menos. Felizmente as grandes companhias estão em excelente forma financeira, e a economia americana tem essa capacidade extraordinária de recuperar-se de choques.
JÁ HAVIA SINAIS DA BOLHA IMOBILIÁRIA QUANDO O SENHOR DEIXOU O CARGO?
Havia alguns sinais, mas só percebi sua extensão e gravidade no fim de minha gestão, entre 2005 e 2006.
COMO O SENHOR REAGE À CRITICA DE QUE, EM SUA GESTÃO, O FED ALIMENTOU ESSA BOLHA AO MANTER TAXAS DE JURO EXCESSIVAMENTE BAIXAS?
A política monetária produz efeitos complexos. Quando o problema foi se revelando para nós em sua plenitude, concluímos que nosso trabalho era o de impedir que o sistema bancário americano se paralisasse. Só assim asseguraríamos o funcionamento da economia.
QUAL É O PRINCIPAL ENTRAVE À SOLUÇÃO DA ATUAL CRISE?
Temos cerca de 200 000 residências, recém-construídas ou quase acabadas, que ainda não foram vendidas. Estão penduradas no mercado. Só 5 000 delas são liquidadas por mês. Ao mesmo tempo, o ritmo de construção de novas casas mantém-se elevado. A não ser que haja drástica redução na construção de novas residências ou o aumento das vendas das que já existem, o preço de todos os imóveis vai despencar. A história ensina que isso afetaria a propensão ao consumo dos americanos. Acredite, ninguém quer que isso ocorra.
NOS ÚLTIMOS ANOS, CONVENCIONOU-SE QUE COMPLEXAS ESTRUTURAS DE CRÉDITOS PROMOVERIAM A DIVERSIFICAÇÃO DO RISCO E REDUZIRIAM A VULNERABILIDADE DO SISTEMA BANCÁRIO. HÁ QUEM DIGA AGORA QUE ESSA CAPACIDADE DE DISPERSÃO SEJA JUSTAMENTE O PROBLEMA, JÁ QUE NINGUÉM SABE QUAIS INVESTIDORES FORAM "CONTAMINADOS" POR TÍTULOS GARANTIDOS POR CRÉDITOS IMOBILIÁRIOS PODRES.
É verdade que ninguém sabe onde os créditos podres estão. Mas, nesta altura do jogo, isso não tem importância. O crucial é saber se os donos desses papéis têm alguma noção de seu valor de mercado. Algo me diz que grande parte deles nunca soube, mesmo quando os compraram. O pânico paralisante do mercado só vai se dissipar quando esses investidores descobrirem o valor real dos papéis que têm em mãos. Isso poderá ser um choque, mas eles seguirão adiante. O problema é o medo paralisante, não a constatação de que se perdeu dinheiro. De vez em quando há surtos de exuberância descolados da realidade. Quando a realidade se assenta, a exuberância se converte em medo. O medo é a base de muitas de nossas reações econômicas. É o fundamento da aversão ao risco. É a maior causa das crises.
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Leia íntegra da entrevista aqui
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