sexta-feira, janeiro 12, 2007

O VERBO E A POLÍTICA!

O Le Monde de 4 de janeiro último publicou um artigo assinado por Jean-Baptiste de Montvalon - (Pelo meu verbo, vencerei), que trata dos centros de pesquisa na França que investigam o uso da palavra na comunicação (o que se disse e o que se ouviu) e a repetição de uma mesma palavra como elemento de identificação da razão e da lógica do discurso. E, especialmente, do discurso e da comunicação políticos. No Brasil não há esta linha de pesquisa e se perde um importante veio de identificar o que está por trás do discurso dos políticos.
Traduzo abaixo, trechos do artigo e espera que em nossas escolas de ciência política e de comunicação se possa ter uma área de concentração importante como essa.

01. Em seu Pavilhão de Prazeres (Yvelines), onde ele "curte" uma aposentadoria sossegada, Maurice Tournier observa, com um apetite intacto, este exercício duplo de "síntese lingüística" cruzada. É o fundador do primeiro laboratório de lexicometria, criado em 1967 na Escola Normal Superior de Saint-Cloud.

02. Já faz 40 anos que este agregado das letras achou abrigo nos números. Com a ajuda de matemáticos, ele aperfeiçoou instrumentos de análise estatística, que permitem "um inventário sistemático do vocabulário", e que se desenvolveram em seguida. Bancos de dados existem hoje em Lyon – para onde foram transferidos as escolas normais superiores de Saint-Cloud e de Fontenay – Amiens, Nice, ou ainda Créteil. Foram necessários mais de cinco anos de trabalho antes da primeira publicação, sobre os panfletos de Maior 68. Seguiram-se obras sobre os discurso sindical, comunista, em seguida estudos sobre a linguagem dos principais candidatos em 1988 e 1995.

03. Graças à ajuda dos matemáticos, o princípio de base que consiste em medir a freqüência de certas palavras nos discursos se enriqueceu com um modo de calcular as probabilidades que permitem distinguir "palavras específicas", aquelas cuja freqüência constatada é superior à freqüência provável.

04. Como contou Tournier, "dois acontecimentos absolutamente improváveis do ponto de vista estatístico aconteceram ao mesmo tempo", durante o duelo cara a cara na televisão de 1988 entre Jacques Chirac e François Mitterand. Perguntados sobre o mesmo assunto, Jacques Chirac pronunciou 17 vezes a palavra "imigração" e apenas uma vez o termo "imigrante", mas François Mitterand, ao contrário, empregou 15 vezes esta última palavra, evocando apenas uma a "imigração". Claro, isso não foi por nenhum acaso: o candidato da direita prefere usar "um termo que generaliza, que traduz pelo seu sufixo '-ação' a dinâmica de um fluxo abstrato que chega à França", enquanto seu adversário socialista quer apenas evocar, com a palavra "imigrante", que "as pessoas já chegaram lá", o emprego do passado "suprimindo qualquer idéia de movimento" e eliminado, portanto, a questão de fluxo.

5. A partir deste exemplo de grande deslocação estatística entre a freqüência provável e a freqüência constatada, o lingüista confirma o que cada um pressente: na linguagem política, em particular durante uma campanha presidencial, "as palavras são extremamente vigiadas". "O político busca apropriar-se na palavra ocupando a mídia, mas também a língua e a linguagem, se tornando a referência dos sentidos das palavras. Ele tenta se apossar de um sistema de estereótipos e de destruir o de seu adversário."

6. Dá para entender por que Ségolène Royal e Nicolas Sarkozy não pararam de se observar – de se saquear – durante a pré-campanha que gerou várias palavras cruzadas. O presidente do UMP fustigou os "empresários bandidos" e se mostrou à cabeceira da "França que sofre", enquanto Royal fazia repetidas incursões no terreno da "ordem" e da "segurança".

7. Os dois principais candidatos, que querem simbolizar a "renovação", reutilizam apenas velhas receitas. Esse é o caso também da onda de "falar simples", que, como lembra o lingüista Louis-Jean Calvet, "começou com Poujade nos anos 50". Durante um almoço, em 22 de novembro 2006, com quase 600 prefeitos socialistas, Royal os aconselhou bastante a adotar algumas traduções: "vida cara" em vez de "poder de compra", "pequenas aposentadorias" em vez de "pensões modestas..." "Royal foge das expressões tecnocratas", ressalta o professor de informática Jean Véronis.

8. Retomando este mesmo objetivo de um estudo estatístico da linguagem política, esses dois professores da Universidade de Provence publicaram em outubro 2006 um livro, "Combate pelo Elizeu, Palavras dos Candidatos" (Edição Seuil), que deve seu título à crise do contrato do primeiro emprego, durante a qual foi redigido. Nesta obra, os autores descascam – não sem humor – as palavras dos principais atores da vida política francesa. Objetivo reivindicado por Calvet: "Ensinar às pessoas a decodificar os discursos, para que elas entendam como elas podem ser enroladas". Esses momentos, como disse com elegância Calvet, onde "o inconsciente sobe à superfície das palavras". Prova que, mesmo em território vigiado, a palavra sabe oferecer momentos de liberdade.

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