quarta-feira, setembro 27, 2006

GOBIERNO DE MIERDA!

Num dos últimos comícios do então presidente Salvador Allende, antes do fatídico 11 de setembro chileno, um trabalhador empunhava uma faixa em defesa do velho socialista: "ÉS UM GOBIERNO DE MIERDA, PERO ÉS MI GOBIERNO".
Mutatis mutandis, na última segunda-feira, durante o programa “Roda Viva”, o ex-ministro Paulo Brossard fez referência a Euclides da Cunha para descrever o cenário atual: “PARECE QUE NÃO FOI O GOVERNO QUE SUBIU, PARECE QUE FOI O POVO QUE DESCEU".
De fato, “nunca na história deste país” assistimos a uma tão completa degenerescência dos costumes republicanos, a um tão sistemático desrespeito aos valores democráticos, a uma tão absoluta descrença nos princípios éticos.
Cego diante da destruição das instituições e insensível aos odores da mierda, o povo parece apequenar-se, encolher-se, mimetizar-se com a matéria escatológica. Indiferente em relação ao futuro e complacente em relação ao presente, o povo amesquinha-se, rebaixa-se, deprecia-se, avilta-se.
Ah, se todos os desenganados tivessem a mesma coragem demonstrada pelo deputado Fernando Gabeira quando, no discurso em que anunciou sua desfiliação do PT, afirmou não acreditar que o sonho acabara, mas, simplesmente, que “suas esperanças negadas, transformadas numa medíocre ruína burocrática” lhe indicavam haver apenas “sonhado o sonho errado”. Lúcido e preparado, ao contrário da súcia de alpinistas sociais que invadiu Brasília, Gabeira reconhece que, muitas vezes, ou quase sempre, a complexidade do movimento histórico costuma zombar das nossas estratégias.
Imersos numa crise política sem fim, que mais parece um dominó mefistofélico (no erudito) ou um balaio de caranguejos (no popular), estamos assistindo a uma verdadeira conspiração da mediocridade, atraindo a tudo e a todos para o núcleo do ciclone anarco-sindicalista.
É chegado o momento de dar nomes aos bois, de chamar pelo nome aquilo que, por meneios e ademanes pusilânimes ou mera afetação politicamente correta, não ousávamos demarcar. Ladrão não é companheiro, roubar não é errar, chantagistas não são trapalhões, violadores de sigilo não são meninos atabalhoados, caixa 2 não é dinheiro não-contabilizado, justiça não é golpismo.
Chega de tibieza!
Chega de concessões!
Chega de contemporizações!
Chega de panos quentes!
Ao contrário do que propunham os petistas golpistas em relação ao presidente Fernando Henrique, a palavra de ordem dos democratas hoje é: FORA LULA! PELO VOTO!
Não é aceitável que cidadãos que prezem seu país, sua família, seus filhos compactuem com atores, cineastas ou músicos que fazem a apologia da frouxidão moral, da elasticidade dos valores, do desfibramento ético.
Não é possível que tudo o que ocorreu nos últimos dois anos seja esquecido ou, pior, varrido para debaixo do tapete. Não é possível continuarmos vivendo no faz-de-conta tão bem descrito pelo ministro Marco Aurélio, do STF.
Não é concebível que nos submetamos a carismas, a metáforas, a cantilenas, ao marketing, muito menos a ameaças chavistas de “sair para o pau” ou de mobilizar os “movimentos sociais”, que, hoje sabemos, não passam de fontes arrecadadoras para projetos de perpetuação no poder.
O escritor Samuel Beckett dizia que “não se passa um dia sem que algo seja acrescido ao nosso saber, desde que suportemos as dores”. E é Gabeira, quem mais uma vez, dá a receita: “Alguns ainda defendem [o PT] porque não conseguiram negociar com sua própria dor. Não podem suportá-la de frente. Mas terão de fazê-lo algum dia, porque, por mais ingênuos que sejam, já perceberam que (...) a grande esperança eleitoral da esquerda latino-americana (...) acabou na delegacia. Só os que se arriscarem a ir até o fundo dessa abjeção, compreendê-la em todos os seus detalhes mórbidos, terá chances de submergir para continuar o processo histórico (...) Por isso proponho agora um curto e eficaz trabalho de luto”.
Ou, então, que aceitem de uma vez o destino da pobre Camboja, dilacerada pelo sanguinário protocomunista Pol Pot, que tinha como lema: "A memória é nossa inimiga. A amnésia, o nosso programa”.

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