sábado, fevereiro 24, 2007

Harpa paraguaia

Os acordes emitidos pelo nosso estratégico vizinho merecem atenção. As últimas notas dedilhadas simultaneamente pelos postulantes a sucessão do presidente Nicanor Duarte Frutos podem até se diferenciar, mas um arpejo é uníssono: o Brasil é o mote central da campanha presidencial já deflagrada e que promete ser a mais disputada da história do Paraguai.
O governo brasileiro concentra suas atenções e ao mesmo tempo disponibiliza os melhores esforços diplomáticos na direção dos Palácios Miraflores e Quemado, privilegiando a interlocução com os mandatários Hugo Chávez e Evo Morales. A polêmica negociação com a Bolívia, culminada no generoso acordo do gás, expõe a nossa vulnerabilidade em muitos flancos, sinalizando as indefinições existentes no Brasil na área de regulamentação. As mesuras dispensadas à Venezuela contrastam igualmente com a desatenção para com os outros países do entorno regional.
A efervescência da campanha eleitoral no Paraguai expõe a necessidade de o Brasil rever o quanto antes o seu relacionamento com aquele vizinho. São muitos os pontos da intrincada agenda eleitoral. Há sinalização clara dos candidatos de revisão dos preços da energia excedente de Itaipu vendida ao Brasil, passando pela celebração de acordos de comércio com os Estados Unidos, desferindo novos golpes no combalido Mercosul.
Como se não bastassem os complicadores anunciados, não podemos esquecer a gravidade da situação dos aproximadamente 800 mil brasiguaios residentes em solo paraguaio, ameaçados por um processo nebuloso de ''reforma'' agrária amparado por legislação que institui a sumária expropriação de terras na faixa de fronteira sob o manto protetor de preservação da segurança nacional.
A declarada intenção de reavaliar a planilha de desembolsos (juros remanescentes da construção da usina pela Eletrobrás), bem como o valor recebido do Brasil pela energia comercializada, remetem à inevitável revisão do tratado firmado no início da década de 70. O contencioso bilateral é explícito e requer análise e mobilização da diplomacia brasileira.
O foco da política externa do presidente Lula não pode se restringir às parcerias estabelecidas com a Venezuela e a Bolívia, em detrimento do relacionamento com outros países estratégicos do mosaico regional. O Paraguai é ator estratégico sob qualquer ângulo de política exterior brasileira.
As eleições presidenciais, a serem realizadas em abril do próximo ano, prometem colocar em xeque a hegemonia do Partido Colorado, e apenas esse aspecto, por si só, enseja a possibilidade de profundas mudanças na coalizão de forças que dominaram o Paraguai nos últimos 60 anos.
O principal contendor da campanha eleitoral precocemente em curso é o ex-bispo católico Fernando Lugo, sacerdote que renunciou da sua condição eclesiástica e mergulhou na política em salto triplo. Sua imagem entre os paraguaios é irretocável, exibindo baixo índice de rejeição. Sua vitória significaria a mais profunda revisão no relacionamento com o Brasil. O candidato situacionista, o atual vice-presidente, Luis Castiglione, desfralda bandeiras em mastros cujos ventos não sopram exatamente a nosso favor. Ele defende a presença de tropas militares norte-americanas em solo pátrio e ainda apóia a formalização de acordo comercial com Washington.
A galeria dos candidatos presidenciais é mais ampla, incluindo um neto do Generalíssimo Alfredo Strossner, sem mencionar o general Lino Oviedo, mantido sob cárcere na capital paraguaia. A propósito, esse é um episódio inconcluso e de desfecho incerto. O general Oviedo permanece preso em flagrante desrespeito tanto às leis internas como a convenções internacionais subscritas pelo Paraguai. A Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos ''OEA'' já foi acionada e deverá se pronunciar sobre o caso. A popularidade de Oviedo não pode ser subestimada num cenário futuro da sucessão presidencial do Paraguai.
Os sons ouvidos nas arborizadas ruas de Assunção e cercanias não são apenas os produzidos pelas cordas da harpa paraguaia. Cabe ao governo do presidente Lula ponderar sobre os acontecimentos em marcha e escolher um novo diapasão para a política externa.

Senador Alvaro Dias - vice-presidente do Senado Federal

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