domingo, maio 11, 2008

Verdade escanteada

Assistimos à crise ética do Estado brasileiro. A recusa sistemática do governo em fornecer informações sobre seus gastos através de cartões corporativos, culminada na montagem, nos domínios da Casa Civil, de um dossiê com o objetivo de lançar suspeitas sobre despesas do governo Fernando Henrique Cardoso, personificou a quebra da autoridade moral e a institucionalização da mentira.
A resistência do governo à apuração do fato criminoso ficou patente na articulação de uma autêntica operação de guerra tendo à frente a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, que solicitou aos 37 ministérios e principais repartições da administração direta que reunissem prestações de contas antigas, personagens, relatórios de fiscalização - com o respectivo "comprovante de saneamento" do erro, além de estatísticas dos valores desembolsados, desde 1998.

Revelou-se desde então uma estratégia para tentar desconstruir o discurso de adversários - do PSDB e do DEM - de que o governo Lula teria organizado uma cadeia de comando para promover a farra dos cartões corporativos.

A cronologia da crise em torno dos gastos corporativos (movimentações, providências e declarações públicas de autoridades governamentais) demonstra de forma cabal que a confecção de um dossiê nas dependências palacianas ocorreu em face da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar gastos ilegais através de cartões corporativos. Foi um estratagema para frustrar, antecipadamente, a investigação regular que poderia chegar às despesas pessoais do Presidente da República e de seus familiares.

Durante os dias mais críticos para a credibilidade do Governo, surgiram fantasiosas versões para tentar explicar a elaboração do dossiê, expediente nefasto para impedir que o Poder Legislativo cumpra a missão de fiscalizar e controlar, diretamente ou por qualquer de suas Casas, "os atos do Poder Executivo", conforme preceitua a Carta Maior.

Conforme destaquei recentemente da tribuna do Senado Federal, esse episódio lamentável exibiu a face cruel da compulsão pela mentira, oficializada para tentar remediar situações que traduzem abuso de poder, atos de corrupção e desvios éticos.

Entre tantos descaminhos, se perdeu de vista a necessidade da apuração das denúncias de mau uso dos cartões como uma medida de respeito à democracia e ao regime republicano.

O Governo percorreu tortuoso itinerário ao longo dessa crise, apresentando várias versões sobre o dossiê. ‘Planilhas' de diferentes interpretações foram urdidas para escamotear a verdade. Na audiência pública que ouviu a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado, uma nova roupagem foi incorporada à galeria de versões sobre o caso. A partir de agora, as informações sobre os gastos da gestão do ex-presidente Fernando Henrique deixam de ser sigilosos por decurso de prazo, ou seja, o caratér de sigilo teria expirado.

É preciso ressaltar que a ministra Dilma não respondeu às perguntas básicas em relação ao dossiê e prestou contas de um programa de investimentos no qual ela figura como a grande protagonista de uma obra ficcional.

Infelizmente, após exaustivas 10 horas de oitiva, a ministra Dilma deixou as dependências do Senado sem responder quem ordenou a elaboração do dossiê, quem executou a ordem e quem repassou as informações para fora do Palácio do Planalto.

O dossiê não é ficção, ele existe, é uma peça criminosa, tramada no Palácio com objetivos escusos. A Polícia Federal, instituição republicana, deverá elucidar todos os lances desse enredo de tantos ilícitos.

Senador Alvaro Dias - 2º Vice Presidente do Senado, vice-líder do PSDB

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