sábado, agosto 04, 2007

Como tornar os mercados ineficientes

Notícia do "Estadão on line":
GENEBRA - Perdendo mercados para os vinhos do Chile, Argentina, Estados Unidos e Austrália, a União Européia quer rever os subsídios dados a seus produtores e que, nos últimos anos, vêm gerando uma produção além do consumo e criando verdadeiros lagos de vinho. Com mais de 1,3 bilhão de euros em subsídios por ano, a produção européia chega a níveis tão elevados que parte do vinho é usado como combustível em fábricas ou como desinfetante para não ser simplesmente jogado fora.
(...) Apesar da situação, considerada crítica, os produtores europeus se recusam a aceitar a reforma. Portugal, França, Espanha e Itália já alertaram que vão lutar contra a proposta. Para os produtores, o projeto transforma a produção em uma ‘mera indústria’ e coloca em questão ‘as tradições européias’. ‘A proposta é perigosa’, afirmaram as organizações de produtores nos quatro países”.

É nisso que dá, estimado leitor, sempre que os governos interferem nos assuntos de mercado. Não fossem os subsídios, não estariam às voltas com esse tipo de problema. Normalmente, quem dita o quê e quanto vai ser plantado ou produzido são os preços. Isso quer dizer que, quando a oferta é maior que a demanda, o preço cai e aquele negócio específico torna-se menos atrativo. E vice-versa. É esse mecanismo simples – malgrado extremamente complexo em suas numerosas relações de interdependência e subordinação - que evita a superprodução e a escassez nos mercados livres.
As interferências governamentais normalmente ocorrem pela via dos incentivos artificiais, estranhos ao livre jogo dos agentes. Os preços passam então a ter um papel secundário e, conseqüentemente, também as preferências, necessidades e julgamentos do consumidor. Nesses casos, é muito comum a superprodução de alguns bens e a escassez de outros, o que configura ineficiência na alocação dos recursos (sempre escassos).
Nossos adversários dirigistas costumam argumentar que os liberais são radicais e não enxergam que há exemplos de políticas intervencionistas que deram certo no passado. Ora, é óbvio que, se olharmos esse mar de intervenção que há atualmente na vida econômica dos países, alguma coisa boa haveremos de encontrar de positivo, pelo menos aparentemente. Só que não dá para pensar uma política econômica em cima de exceções e a verdade é que, na grande maioria das vezes, as intervenções tornam-se efetivamente nocivas, redundando em benefícios para uns poucos à custa da poupança de muitos.
(Eu disse aparentemente porque não temos como comparar esses resultados, supostamente positivos, com o que deixou de acontecer. Por exemplo: o investimento do Estado brasileiro na Companhia Siderúrgica Nacional é tido como um marco da industrialização e da siderurgia no país. Porém, quantas pequenas, médias e grandes siderúrgicas potencialmente mais eficientes deixaram de instalar-se aqui, posteriormente e durante muitos anos, com medo da concorrência de um competidor privilegiado como esse? Será que, se não fosse a presença desta estatal, a indústria siderúrgica não teria evoluído mais rapidamente? O mesmo raciocínio vale para o famigerado “New Deal”, sempre mencionado pelos intervencionistas como exemplo de ação governamental bem sucedida “na correção de falhas do mercado”. Alguém pode imaginar como teria sido a recuperação econômica norte-americana sem ele? Será que aquilo realmente funcionou ou simplesmente o sistema recuperou-se apesar dele?)
Na verdade, mesmo que aceitemos como válido o argumento segundo o qual existiriam intervenções potencialmente positivas, o fato é que ninguém pode determinar, a priori, o sucesso ou insucesso de qualquer medida. Com efeito, quê critério deveríamos utilizar para decidir quais medidas são oportunas? Bem-vinda é aquela intervenção que você, estimado leitor, acha que seria benéfica e daria certo, ou esse entendimento deve ser o meu ou o do senhor Mangabeira Unger? Será que devemos deixar que os “sábios” do governo, de dentro de seus gabinetes, decidam o que é melhor ou pior para todos nós, simplesmente porque foram aprovados num concurso público ou venceram uma eleição?
Outro argumento bastante comum em prol do intervencionismo é o de que o mercado é formado por gente, na sua maioria despreparada e deseducada, sem condições, enfim, de decidir o que é melhor para si. Vejam que esse tipo de afirmação traz embutido a arrogância de quem acha que os agentes públicos - os ditos planejadores - seriam mais preparados, inteligentes e cultos que a média. Além de arrogante, este argumento é falso em si mesmo, já que rejeitar o livre mercado por conta da falibilidade humana nos levaria a rejeitar também, pelo mesmo motivo, qualquer que fosse a ação governamental afinal, governos nada mais são do que um conjunto de indivíduos, sujeitos aos mesmos erros, paixões e idiossincrasias dos demais.
É engraçado como muitos dos que defendem esse tipo de raciocínio chegaram até as lágrimas quando um retirante nordestino, semi-analfabeto, foi alçado à presidência da República. Que belo paradoxo, não? No fim das contas, é esse senhor que, assumidamente não leu mais que dez livros na vida, quem tem dado, há cinco anos, a palavra final sobre, por exemplo, políticas agrícolas e industriais. Sim, os destinos do mercado estão nas mãos de um semi-analfabeto. Aliás, quando ouço falar de políticas industriais nocivas, paridas pela inteligência superior dos políticos e burocratas, lembro sempre do velho Itamar e a sua obsessão extemporânea pela volta do Fusca. Está lembrado, estimado leitor, do bravo presidente topetudo e sua cruzada pelo fusquinha? Pois é...
Há ainda um terceiro argumento, normalmente utilizado pelos defensores da “mão visível”. Alegam que, teoricamente, os princípios liberais podem ser até defensáveis, mas que vivemos num mundo onde não existem mercados “puros” ou “perfeitos” e, portanto, se outros países utilizam políticas intervencionistas à base de subsídios, de restrições tarifárias ou de manipulação cambial, por exemplo, estamos obrigados a “dar o troco”.
Ora, dizer que os outros praticam intervenções e deduzir que, por isso, devemos “contra-atacar” na mesma moeda é um argumento, no mínimo, tacanho. Economia é escassez, lida com eficiência na alocação de recursos, com custos de oportunidade. Há nações, como Hong Kong, que simplesmente não têm barreiras alfandegárias ou praticam qualquer política industrial, e nem por isso sofrem com desabastecimento ou desemprego. Por outro lado, há países fechadíssimos e altamente planificados (Coréia do Norte) que permanecem na mais absoluta miséria.
Não é preciso um mercado mundial totalmente livre, ou “puro”, para se pôr em prática as melhores políticas, consagradas pela boa teoria econômica. O mercantilismo foi, durante séculos, a política de quase todo o mundo ocidental, até que os ingleses começaram a praticar, espontaneamente, vale dizer, sem qualquer planejamento, algo que se mostrou muito mais eficiente do que a velha política do Tio Patinhas, de juntar um monte de ouro e prata.
Por tudo isso, os liberais devem ser sempre radicais quando o assunto é intervenção do Estado no domínio econômico. Se concordássemos, como querem alguns, em nome de uma bandeira “menos radical” e mais palatável que em certos casos (leia-se: naqueles casos que aprovamos) a interferência dos governos nos assuntos de mercado pode ser oportuna, estaríamos sendo, além de incoerentes, tão arrogantes quanto aqueles que combatemos. Quando dizemos que ninguém possui suficiente informação e conhecimento para determinar, ou sequer prever, que particular método ou solução é melhor para lidar com problemas complexos e dinâmicos do mercado, esse “ninguém” inclui também os liberais.
Para encerrar e já que estamos falando de políticas industriais, não posso deixar de reproduzir, a título de ilustração, um trecho de reportagem da revista Veja que bem demonstra a malversação dos dinheiros públicos, sob a égide de incentivar a iniciativa privada. Triste é saber que, como esse exemplo, há milhares:

“Em 2003, o deputado Olavo Calheiros, irmão do senador, resolveu abrir a Conny Indústria e Comércio de Sucos e Refrigerantes, em Murici, no interior de Alagoas, terra natal dos Calheiros. Ganhou, de graça, um terreno de 45.000 metros quadrados, avaliado em 750.000 reais. O doador foi a prefeitura de Murici, na época comandada por Remi Calheiros, irmão de Olavo e Renan. A prefeitura também deu à fábrica isenção por três anos no pagamento de água, insumo essencial para uma fábrica de refrigerantes. Com terreno e água de graça, Olavo bateu à porta do Banco do Nordeste, o BNB, e conversou com o gerente José Expedito Neiva Santos, que fez gestões junto ao BNDES para conceder ao deputado um empréstimo de 6 milhões de reais, com vencimento em vinte anos. O gerente Expedito Santos aceitou, como garantia do empréstimo, a escritura de uma fazenda que o Ministério Público suspeita ser falsificada. Concluído o empréstimo, o gerente, por indicação de Renan Calheiros, foi promovido a superintendente estadual do BNB em Alagoas”.
Pouco tempo depois, mesmo com todas as benesses, a fábrica encontrava-se à beira da falência, quando foi adquirida pela Schinkariol, numa “jogada” pra lá de suspeita. Mas isso já é outra história...

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