terça-feira, março 27, 2007

A nossa lista de Schindler

Oskar Schindler

A portaria do Ministério da Saúde que relaciona as doenças crônicas, bem como os respectivos medicamentos de uso prolongado - de alto valor unitário e tratamento de custo elevado -, precisa ser revista com urgência e submetida ao mais amplo debate, garantida a participação da sociedade organizada, do setor público e do próprio Parlamento na discussão proposta.
Ao receber a visita do Presidente da Associação Brasileira de Assistência aos Portadores de Fibrose Cística, também conhecida como mucoviscidose, fiquei bastante sensibilizado com os relatos pungentes trazidos por Sérgio Henrique Sampaio - emissário dos doentes crônicos dessa doença - cujas manifestações sistêmicas comprometem principalmente os sistemas respiratório, digestivo e aparelho reprodutor.

O drama enfrentado pelas famílias que abrigam portadores de doenças crônicas e não podem custear o tratamento dos seus entes queridos, além de nos comover, envolve uma questão de saúde pública da maior gravidade. Estou convicto de que a política de assistência farmacêutica do Brasil precisa ser repensada em todos os níveis.

As sucessivas portarias do Ministério da Saúde possuem lacunas e não tutelam todas as doenças graves. Muitas vezes, mesmo prevendo determinada doença rara, os medicamentos disponibilizados no âmbito do Sistema único de Saúde - SUS - para tratamento não atendem todas as manifestações da doença. Cito o exemplo da fibrose cística, cujas manifestações respiratórias e digestivas exigem inúmeros medicamentos para manter o paciente vivo. Registro que para cada 3000 nascimentos entre brancos de vários países, a incidência da doença varia entre 1 e 2 casos. É menos freqüente entre negros e asiáticos. A mediana de sobrevida nos EUA é 31 anos.

A inclusão na lista dos medicamentos excepcionais do Ministério da Saúde finda se transformando numa espécie de ''lista de Schindler''. Todos devem se recordar do filme do diretor Steven Spielberg retratando o empresário alemão que usou sua fortuna durante a 2ª guerra mundial para salvar judeus, a partir da elaboração de uma lista. A doença e, por conseguinte, os medicamentos que ficarem de fora da lista do Ministério da Saúde, privam o portador de doença crônica sem condições de custear o tratamento do direito à vida.

Nos casos de exclusão da lista, o único caminho para obter o medicamento tem sido recorrer ao Judiciário. O gestor público alega que muitas vezes é obrigado a cumprir ações judiciais para distribuição de remédios não padronizados e de eficácia e necessidade duvidosas. É possível que existam distorções. Em que pesem decisões eventualmente questionáveis, não podemos confundir nem imputar àqueles portadores de doenças crônicas a responsabilidade por essas ações judiciais.

Uma ação cível pública obrigando o Estado de Alagoas a fornecer medicamentos para pacientes renais crônicos alçou o tema da saúde de milhões de brasileiros portadores de doenças graves ao crivo da nossa suprema corte. A recente liminar do Supremo Tribunal Federal que deferiu, em parte, pedido do Estado de Alagoas na Suspensão de Tutela Antecipada (STA) - para suspender decisão concedida em ação civil pública - sem dúvida enseja o momento apropriado à ampla reflexão e debate dessa questão.

Devemos ter em mente que o rol de medicamentos excepcionais trazidos nas portarias editadas pela pasta setorial da Saúde, para medicamentos excepcionais - Portarias 1318 e 2577 -, além de não ser exaustivo, deixa de contemplar vários medicamentos imprescindíveis ao tratamento adequado.

É hora de repensar com disciplina e amor um tão tema sensível e, com permissão da imortal Lygia Fagundes Telles, sugiro ''repensar com humildade neste tempo de arrogância''.


Senador Alvaro Dias - vice-presidente do Senado Federal

Nenhum comentário: