terça-feira, novembro 11, 2008

VEROSSIMILHANÇA E JORNALISMO!

Jean Daniel (foto), consagrado diretor do "Nouvel Observateur", escreveu artigo semana passada para o El País. Nele, comenta o caso de uma denúncia furada sobre o escritor tcheco-francês quando era jovem e a forma que a imprensa cobriu o caso. Abaixo trechos do artigo.

1.Meu único universo é a novela”, diz o escritor Milan Kundera. Mas nem mesmo assim conseguiu evitar a calúnia. Foi vítima dessa nova prática jornalística que consiste em colocar alguém debaixo de suspeita com uma manchete e uma fotografia. Há quase 60 anos – sim, 60 anos! – um jovem agente tcheco dos serviços secretos norte-americanos foi detido pela polícia em Praga. Segundo os arquivos, então controlados pelos serviços soviéticos e agora acessíveis a qualquer investigador, o homem que denunciou o espião não fora outro senão o escritor francês de origem checa Milan Kundera (foto abaixo), então com 21 anos.

2. Há três semanas, um semanário de Praga difundia este “descobrimento” e a ele dedicava um número especial. A notícia correu como um rastilho de pólvora por todas as partes e, naturalmente, também pela França. O escritor a recebeu como disse então “como um soco na cara”. Kundera não sabia nada do assunto, sequer ouvira falar dele. Num comunicado, afirmou que tudo era falso. Nos dias seguintes, as personalidades mais eminentes do mundo literário francês e europeu manifestaram sua solidariedade para com Milan Kundera.

3. Os jornalistas, que haviam tido notícia por primeira vez da informação acusadora, já conheciam tanto o desmentido do autor, quanto a emoção de seus pares. Isso os fez optar pela prudência. Mas por que essa prudência já não serviu para nada? Porque, segundo as novas práticas de nosso ofício, quando aparece uma manchete e uma fotografia incriminando uma personalidade, esta personalidade fica debaixo de suspeita. Não se afirma que a informação seja correta, mas se apresenta ela como possível e inclusive verossímil.

4. Nós, jornalistas, temos de nos ver todos os dias com este problema, e sempre da mesma forma. Vendemos verossimilhança. E, no reino do verossímil, a calúnia nunca perde vitalidade. A situação de Kundera não deixa de ser tristemente paradóxica. Depois de tudo, ele próprio antecipava em suas novelas os estragos da chamada “sociedade da transparência".

5. O escritor crê, e não deixa de repeti-lo desde que o assunto foi divulgado, na discrição e na privacidade da vida íntima. Pensa que se deve julgar uma obra por seu conteúdo e não pelo que se acredita descobrir na vida do autor. Kundera foge sistemática e furiosamente de todos os meios de comunicação. Eu digo que o caráter sistemático de suas negativas pode impacientar alguns. Milan Kundera teve a ingenuidade de pensar que, como havia renunciado de praticar o jogo da sobre exposição mediática, a discrição e o silêncio o protegiam.

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