A experiência no Executivo me fez entender que as questões burocráticas não podem estar acima da vida humana. No Legislativo, vi muitos que hoje estão no Executivo pensarem diferente.O drama de usuários que dependem de medicamentos importados, sem similar nacional, me levou a propor, em novembro de 2007, uma audiência pública na Subcomissão Permanente de Promoção, Acompanhamento e Defesa da Saúde do Senado Federal, presidida pelo senador Papaléo Paes. A audiência, realizada em novembro de 2007, foi comemorada, em especial, por usuários do medicamento Maliasin, que me procuraram no gabinete.
Depois de tantos apelos, eles, enfim, ouviram, durante a audiência pública, o compromisso assumido pelo representante da ANVISA, Dr. Jorge Taveira, de que com a maior brevidade possível seria resolvida a questão Maliasin. Infelizmente, mais de 9 meses se passaram e, após uma seqüência aflitiva de marchas e contramarchas, o impasse em torno da importação de medicamentos órfãos, sem similar nacional, permanece.
É de conhecimento público que, hoje, há muita dificuldade para importar medicamentos órfãos, usados no tratamento ou no diagnóstico de doenças raras. O número pequeno de pacientes não desperta o interesse da indústria farmacêutica. E se a ANVISA não registrou o medicamento, o trâmite para importá-lo é longo (entre 45 e 60 dias). Como muitos pacientes não resistem a esta espera, e diante da letargia das autoridades, a revisão do atual marco legal é a única alternativa factível capaz de minimizar o drama enfrentado em nosso País pelos pacientes que dependem da importação desses medicamentos.
Sendo assim, apresentei projeto de lei cujo objetivo primeiro é remover o excesso de burocracia que conduz possíveis usuários à ilegalidade. Atualmente não se consegue obter da ANVISA uma orientação sobre como proceder para importar medicamentos órfãos de maneira legal e compatível com a realidade do mercado, ou seja, levando-se em consideração o "caráter de urgência".
As importadoras que fazem o serviço de maneira rápida, além de não existirem legalmente, são enquadradas como contrabandistas. O estado de profunda e prolongada inconsciência dos gestores públicos da área de saúde demonstra o descaso e a negligência do governo. A RDC - Resolução da Diretoria Colegiada - nº 86, que listava os medicamentos que poderiam ser importados excepcionalmente, deveria ser revisada a cada 6 meses, mas ficou mais de 7 anos sem revisão. É preciso fazer ecoar: milhares de famílias brasileiras sofrem o drama de não poder tratar seus doentes em razão da incompetência governamental.
O caso de medicamentos oncológicos, cujo histórico estampado nas páginas da mídia escrita nos comove e sensibiliza, também reforça a necessidade de um novo marco. A última edição da Revista Istoé publicou nota na coluna de Ricardo Boechat abordando a questão da entrada no país de medicamentos importados, sem similar nacional, e citando o exemplo do medicamento oncológico Yondelis, que está sendo utilizado pelo Vice-Presidente José Alencar na luta que trava contra o câncer.
Recebi do Vice-Presidente comunicação com esclarecimentos sobre a importação desse medicamento, ao qual está anexada nota da ANVISA dizendo que "... a importação para uso próprio independe de autorização da ANVISA, a quem cabe apenas a fiscalização do preenchimento dos requisitos que caracterizem essa situação." Vale ressaltar que a referida importação foi regulada há pouco mais de 90 dias, passando a facultar ao viajante, que desembarca no país e apresenta a comprovação de que o medicamento é para uso pessoal, obter a sua liberação assegurada no mesmo momento.
O importante é oferecer à população uma alternativa legal capaz de facilitar o acesso e a importação de medicamentos órfãos, considerando-se que a prescrição é um ato exclusivo da relação médico/paciente. Mas as alternativas atuais, para o cidadão comum, se resumem a fazer contato com uma importadora e contar com a sorte de que a mesma seja uma empresa idônea.
Nesse universo a hipocrisia impera. Enquanto as importadoras operam na ilegalidade pela falta de um dispositivo legal, hospitais e instituições da área de saúde das esferas federal, estadual e municipal recorrem rotineiramente a elas, sem, no entanto, admitirem que façam uso de seus serviços.
O quadro é muito grave. Apelei ao presidente da República, em especial ao Vice-Presidente José Alencar, para que se debrucem sobre os desdobramentos da atual situação e dos efeitos imprevisíveis sobre a saúde da população, e para que transformem o projeto de lei que apresentei, fruto de exaustivas reuniões, consultas e audiência pública com todos os atores envolvidos, em Medida Provisória. O caráter de urgência e relevância, neste caso, é inquestionável.
Não posso escamotear o meu inconformismo ao ver seres humanos perdendo a vida diante da indiferença de autoridades constituídas que deveriam agir com maior sensibilidade. Estamos questionando a legislação vigente. Não está errado o Vice-Presidente ao buscar os medicamentos para se tratar. Ultrapassada está a legislação do País, que leva à morte milhares de brasileiros que são impedidos de importar medicamentos.
Lamentavelmente, no cenário atual, entraves e dificuldades de todos os matizes se antepõem àquele paciente que necessita importar medicamento sem similar no nosso País. A indiferença do governo vem ceifando muitas vidas e ampliando o número de órfãos nas famílias brasileiras. A propósito, a indiferença mata.
Senador Alvaro Dias - 2º Vice Presidente do Senado, vice-líder do PSDB
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