sexta-feira, setembro 05, 2008

Espionagem, impunidade e decepção

"Hoje, com a tecnologia, as paredes realmente têm ouvido.
As paredes, as cadeiras, as estantes, os sofás..."
Millôr Fernandes


Escândalo da vez, revelado novamente pela competência do jornalismo investigativo brasileiro, os grampos telefônicos foram engendrados para obter dados para futura chantagem e intimidação política. Eventuais pecados dos espionados seriam utilizados para silenciá-los, tornando-os cúmplices dos ilícitos que ocorrem sob o manto da impunidade. Os alvos da ação delituosa foram escolhidos em razão de sua atuação. O Supremo Tribunal Federal vem decidindo sobre matérias de vital interesse do governo federal, e os parlamentares da oposição fecham o cerco sobre os descaminhos éticos e morais da gestão governamental.
O Presidente da República decidiu afastar preventivamente o comando da Agência Brasileira de Inteligência - ABIN - sucedânea do temido Serviço Nacional de Informações - SNI. Uma medida acertada em face do rumoroso episódio de espionagem oficial. Em outras oportunidades pecou por não decidir com agilidade e errou politicamente insistindo em manter no cargo verdadeiros cadáveres insepultos. Na seqüência de escândalos que assistimos desde a posse do Presidente Lula, lamentavelmente o compadrio oficial retardou decisões inadiáveis e deu sobrevida inexplicável a figuras que já haviam sido desacreditadas pela sociedade organizada.

Não é possível imaginar que uma "sindicância interna" apontará os responsáveis ou os mentores desse atentado ao estado democrático de direito. A conclusão desse episódio será mais uma decepção. O governo não apontará os verdadeiros responsáveis pelo delito, teremos mais vez um crime perpetrado por autores desconhecidos. A consagração de uma hierarquia penal que se aplica apenas aos subalternos e transforma em inimputáveis os integrantes do alto escalão.
Lançar expectativas em torno da aprovação de mais um dispositivo legal como solução mágica para coibir a prática de ilícitos nesse campo - no caso o PL 3272/08, de iniciativa do Poder Executivo, que regula e limita as escutas telefônicas no âmbito das investigações - é mais uma quimera alimentada para iludir a opinião pública.

Vale reavivar que a prática de escutas clandestinas proliferou nos regimes totalitários, sendo instrumento largamente utilizado nos países do leste europeu durante a Guerra Fria para monitorar e perseguir os opositores do regime. É com assombro que constatamos a existência de práticas tão condenáveis em plena vigência do estado democrático conquistado a duras penas pelo povo brasileiro.

Em que pese correta qualificação feita pela nossa Suprema Corte sobre o episódio dos grampos telefônicos - "o mais grave" das relações institucionais desde a promulgação da Constituição da República de 1988 -, os lances delituosos se repetem rotineiramente banalizando ilícitos e consagrando a prática de escutas telefônicas clandestinas.

Aos que trilham o caminho da correção e permanecem na posição inarredável de defensores da legalidade insisto que cabe uma ação afirmativa e contundente. As providências não podem ser paliativas. Sendo assim, a executiva do PSDB, o partido dos Democratas e o Partido Popular Socialista decidiram provocar o Ministério Público, instando aquela instituição a instaurar processo investigativo considerando que o fato delituoso configurou atentado frontal ao regime democrático. Os partidos, em conjunto, deliberaram, entre outras medidas, pela instalação de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar as escutas clandestinas.

Enxergo nessa iniciativa uma obrigação, um dever de nossa parte. Não podemos condescender diante da gravidade dos fatos que estão postos nesse episódio. Transigir nesse caso é compactuar com um ataque à democracia. A reação do Parlamento foi tímida. Precisamos reagir mais fortemente a essa investida autoritária.

Vamos resistir e peregrinar em instâncias como a OAB, a ABI e o próprio Supremo Tribunal Federal buscando galvanizar o sentimento de repulsa diante da afronta à Constituição Federal, tentativa caracterizada na invasão da privacidade que violenta as tradições democráticas do povo brasileiro.
A crise institucional não se configura, na sua plenitude, em razão da anestesia que paralisa os cidadãos de bem. Mesmo assim, não posso deixar passar em branco o meu prognóstico: a conclusão será frustrante. É o que antevejo por conhecer o que temos no comando da República. A impunidade seguirá fazendo escola e levando decepção à legião silenciosa de brasileiros honrados.

Senador Alvaro Dias - 2º Vice Presidente do Senado, vice-líder do PSDB

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