
1. Os sintomas dessa crise se parecem com os da crise dos anos 30, pelo consenso unânime de injetar liquidez. Mas a causa é distinta da observada na crise de 1930: aquela foi uma crise de sobre-produção e esta é uma crise de sobre-consumo. Para facilitar a digestão dos desequilíbrios, impõe-se preservar os mecanismos que dinamizem o comercio mundial. Estados Unidos deverão reativar-se mais por meio de investimento e de exportações do que por consumo.
2. A primeira globalização, que experimentou a economia mundial no final do século XIX e começo do século XX, também teve fundamento num salto tecnológico com grandes lucros de produtividade. O mundo se tornara interdependente como nos nossos dias. Aquela globalização acabou por impulsionar a crise dos anos 30, que, tal como o atual, ficou caracterizada como financeira, quando, na realidade, também foi precipitada por desequilíbrios econômicos.
3. É esclarecedor estudar o comportamento da economia americana no período anterior à depressão dos anos 30. Conforme a produção aumentava e o emprego baixava, a produção por homem/hora (produtividade da mão de obra) se incrementava com rapidez; de fato, entre 1920 e 1929. Em 1929 os lucros das grandes empresas manufatureiras se elevaram de modo significativo: triplicaram em comparação com os de 1920. A iniqüidade na distribuição dos benefícios da produtividade daquela segunda revolução industrial, junto com a ausência de mecanismos de crédito hoje existentes e o predomínio de preferências de consumo moderno, gerou uma crise de sobre-produção e de sub-consumo nos Estados Unidos, que se propagou para o resto do mundo.
4. As receitas keynesianas para ocupar os recursos ociosos e ativar a demanda global eram o remédio apropriado para digerir os estoques acumulados e colocar de novo plenamente em funcionamento o aparelho produtivo. Naquela crise, o mundo se fechou ao comércio com políticas protecionistas, adiando a digestão dos desequilíbrios e prolongando a tendência recessiva.
5. A crise econômica atual, também tem sua origem em grandes desequilíbrios da economia dos Estados Unidos. Mas, neste momento, ao contrário dos anos 30, estamos diante de sobre consumo. Também a onda globalizante do final do século passado e do começo deste século está originada numa revolução tecnológica. Como nas ondas anteriores, geraram-se lucros substanciais de produtividade.
6. Os salários dos chineses e a competência de sua manufatura favoreceram a estabilidade de preços e o poder de compra de muitos bens derivados da nova tecnologia industrial. O surgimento da China e de outros países emergentes na economia global também explica em boa parte o auge dos preços de energia e de alimentos nos últimos anos.
7. Entre 1950 e 1980, por cada dólar de produto mundial havia um dólar e cinqüenta de crédito. Em 1990, a relação passou de 1 para 3 e, em 2007, de 1 para 4,5. O crédito fácil e a alquimia financeira, em que a atomização do risco implica em sua eliminação, foram fundamentais para o consumismo, porque permitiram flexibilizar as restrições orçamentárias até os limites irracionais. Durante muitos anos, a economia americana consumiu acima de suas possibilidades, operando como comprador em última instância dos excedentes comerciais do resto do planeta, que a financiaram com excedentes de poupança.
8. A comunidade internacional operou até agora sobre os efeitos financeiros da crise. O fantasma dos anos 30 obrigou a tomar medidas para assegurar a liquidez do sistema. Agora cabe a vez de atacar a causa econômica da crise. Isto também compromete um esforço mundial concertado. Numa sociedade onde houve sobre-consumo, deve-se ter cuidado com as políticas de estímulo da demanda global, mesmo quando a recessão freie as vendas e acabe por aumentar os estoques.
9. A atual administração (com Alan Greenspan na direção da Reserva Federal) enfrentou a crise das ações ponto com e a recessão do princípio do novo século com um arsenal de políticas monetárias e fiscais destinadas a estimular a demanda. Logrou o objetivo por alguns anos, até a explosão da bolha imobiliária. Voltar a estimular o sobre-consumo americano para sair da crise é o atalho que muitos imaginam, porque subscrevem o diagnóstico financeiro e subestimam o diagnóstico econômico do problema.
10. Cuidado, porque a ansiedade de curto prazo pode levar a fomentar outras bombas de tempo no futuro imediato. O acordo mais relevante para abordar o capítulo econômico e as conseqüências sociais da crise passa por preservar os fluxos do comercio mundial. O comercio permitirá reequilibrar a economia mundial minimizando os custos inevitáveis do ajuste. A volta a praticas protecionistas pode tornar as coisas muito mais difíceis. Estados Unidos deverão reativar-se com ênfase nas exportações e nos investimentos.
11. A crise e suas prioridades não podem adiar decisões fundamentais em matéria de energia, meio ambiente e recursos naturais. Em tempos pós-modernos, um papel chave que deve reforçar-se nos Estados e nos organismos internacionais é a representação no presente dos interesses das futuras gerações. Quando as vacas gordas voltarem para inaugurar outro ciclo, a comunidade internacional deve ter acordos avançados que reconciliem o crescimento com desenvolvimento sustentável.
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