por Leonardo Coutinho
A cabeleireira Marivalda Aguiar Braga, de 35 anos, viveu durante dez meses no acampamento Padre Josimo, erguido pelo MST numa fazenda ocupada em Acará, no Pará. Em maio deste ano, decidiu deixar o local. Foi espancada e ameaçada de morte. Em entrevista a VEJA, Marivalda fala sobre o que passou entre os sem-terra.
"Fui para o acampamento Padre Josimo com a ilusão de que ganharia terra de graça do MST. Mas lá só encontrei violência. Vivi dez meses com os sem-terra. Descobri que quem manda no acampamento é um grupo de bandidos. Para mim, a gota d'água foi quando um dos companheiros chegou baleado. Acho que ele foi ferido numa troca de tiros com jagunços, porque eles saíam para assaltar e matar gado a tiro. O pessoal do MST não tem piedade. Coloca fogo até na casa dos peões. Isso eu não admito, porque eles são pobres como eu. Quando vi o sujeito baleado, pensei: 'Se ficar aqui, quem pode acabar levando bala sou eu'. Então, fui escondida a Belém e contei à polícia tudo o que acontecia dentro do acampamento. O problema é que tive de voltar para buscar minhas coisas, que tinham ficado lá.
"Peguei tudo o que tinha e fui para um porto pegar um barco para Belém. Quando eu já estava na beira do rio, apareceram dois militantes. Um carregava uma espingarda e o outro, um terçado (facão). Disseram que o Reis (Wellington Raimundo Reis, chefe do acampamento) queria falar comigo. Eu disse que não ia. Aí, eles me pegaram pelo braço. Caí no rio, mas eles me pegaram de novo e me arrastaram. Puxaram minha blusa com tanta força que meu peito saltou para fora. Eles me chamaram de traidora, vagabunda, prostituta. Logo depois, o Reis apareceu no porto. Ele pegou a espingarda do militante, deu um tiro para cima, encostou o cano na minha testa e disse: 'Vem cá, ô vagabunda, o que você falou para a polícia? Quanto o dono da terra te pagou para entregar a gente?'.
"Aí, me arrastaram pelo mato até o acampamento. Lá, me sentaram em uma cadeira, dentro de uma barraca. Um militante me deu um soco no meio do peito. Senti como se todos os meus ossos estivessem saindo do lugar. Foi uma dor horrível. Você sabe o que é levar um soco de mão fechada de um homem no meio do peito? A força foi tanta que caí para trás, com cadeira e tudo. O Reis riu e falou: 'Vagabunda, traidora tem que apanhar. Bate mesmo, pessoal'. Um militante disse que ia me cortar com um terçado. Reis esfregava a espingarda no meu pescoço, no meu peito e no meu rosto. Aí, confessei que tinha ido à polícia, mas inventei que era para resolver um problema do meu marido, que estava preso. Na verdade, ele é ex-presidiário. Cumpriu pena por assalto a mão armada. Está na condicional. Os militantes desconfiaram da minha história. Disseram que iriam falar com a advogada da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) em Belém, para ver se meu marido estava na cadeia mesmo. Se fosse mentira, eu ia morrer.
"Tomamos um barco para Belém. Na viagem, ficavam me mostrando um revólver a toda hora. Um dos sem-terra disse que se eu tentasse fugir tomaria um tiro antes de conseguir completar dez passos. Ele dizia que tinha sido polícia e me acertaria de primeira. Quando chegamos à CNBB, falei para uma advogada dos padres que meu marido estava na prisão. Era mentira, mas acho que eles acreditaram. Depois de muita conversa, acertamos que eu iria até minha casa em Belém, para buscar os documentos do meu marido, e voltaria no dia seguinte. Saindo de lá, fui direto para a delegacia. O delegado me mandou para a Polícia Federal.
"Contei que todo mundo que vive no Padre Josimo deixou suas casas em Belém pela promessa de ganhar terra e cesta básica. Quem fez as promessas foi o Reis. Ele organiza reuniões na periferia. No ano passado, meu marido e eu fomos a uma delas. O Reis disse que a gente deveria ir para uma terra no Acará. Ele garantia que a fazenda não tinha documento e que estava tudo certo com o Incra para a gente entrar. Disse que ia ter lona para montar as barracas e que o governo ia mandar cesta básica. Na reunião, explicaram que quem não pudesse deixar o trabalho para começar a invasão podia colaborar com dinheiro. Eles cobram uma mensalidade de 30 reais para deixar no cadastro o nome de quem não fica no assentamento. O pessoal paga para ter direito a um lote quando a reforma agrária chegar. Como meu marido estava desempregado, topamos. Ele ficou em Belém e eu fui com o filho da gente.
"Uma semana depois de entrarmos na terra, as cestas básicas do Incra começaram a chegar. Não falhou um mês. Chegavam até mais cestas do que a gente precisava. Reis ficava com o que sobrava. Ele dizia que era para vender e fazer dinheiro para as despesas do acampamento. Mas o pessoal dizia que ele usava as cestas para manter a família dele e os militantes de Belém. Fui nomeada coordenadora de saúde, porque sei ler bula de remédio e fazer massagem. Nunca gostei de viver lá. O pessoal vive armado. É um antro. Tinha até acampado que vivia de assaltar os barcos que passavam pelo rio. Não fui para lá para virar bandida. Coloquei a vida do meu filho em risco. Queria que a promessa deles fosse de verdade, mas o MST é feito de mentiras.
"Três dias depois do meu depoimento, os policiais me levaram ao acampamento para prender o pessoal. Fui para identificar quem andava armado, mas escondi o rosto com uma touca. Chegamos lá com oito policiais em duas viaturas. Na hora, os acampados cercaram a gente e disseram: 'Se quiser levar um, vai ter que levar os 300'. Fomos embora sem prender ninguém. Hoje, vivo escondida do MST. Tenho medo do que pode acontecer comigo."
A cabeleireira Marivalda Aguiar Braga, de 35 anos, viveu durante dez meses no acampamento Padre Josimo, erguido pelo MST numa fazenda ocupada em Acará, no Pará. Em maio deste ano, decidiu deixar o local. Foi espancada e ameaçada de morte. Em entrevista a VEJA, Marivalda fala sobre o que passou entre os sem-terra.
"Fui para o acampamento Padre Josimo com a ilusão de que ganharia terra de graça do MST. Mas lá só encontrei violência. Vivi dez meses com os sem-terra. Descobri que quem manda no acampamento é um grupo de bandidos. Para mim, a gota d'água foi quando um dos companheiros chegou baleado. Acho que ele foi ferido numa troca de tiros com jagunços, porque eles saíam para assaltar e matar gado a tiro. O pessoal do MST não tem piedade. Coloca fogo até na casa dos peões. Isso eu não admito, porque eles são pobres como eu. Quando vi o sujeito baleado, pensei: 'Se ficar aqui, quem pode acabar levando bala sou eu'. Então, fui escondida a Belém e contei à polícia tudo o que acontecia dentro do acampamento. O problema é que tive de voltar para buscar minhas coisas, que tinham ficado lá.
"Peguei tudo o que tinha e fui para um porto pegar um barco para Belém. Quando eu já estava na beira do rio, apareceram dois militantes. Um carregava uma espingarda e o outro, um terçado (facão). Disseram que o Reis (Wellington Raimundo Reis, chefe do acampamento) queria falar comigo. Eu disse que não ia. Aí, eles me pegaram pelo braço. Caí no rio, mas eles me pegaram de novo e me arrastaram. Puxaram minha blusa com tanta força que meu peito saltou para fora. Eles me chamaram de traidora, vagabunda, prostituta. Logo depois, o Reis apareceu no porto. Ele pegou a espingarda do militante, deu um tiro para cima, encostou o cano na minha testa e disse: 'Vem cá, ô vagabunda, o que você falou para a polícia? Quanto o dono da terra te pagou para entregar a gente?'.
"Aí, me arrastaram pelo mato até o acampamento. Lá, me sentaram em uma cadeira, dentro de uma barraca. Um militante me deu um soco no meio do peito. Senti como se todos os meus ossos estivessem saindo do lugar. Foi uma dor horrível. Você sabe o que é levar um soco de mão fechada de um homem no meio do peito? A força foi tanta que caí para trás, com cadeira e tudo. O Reis riu e falou: 'Vagabunda, traidora tem que apanhar. Bate mesmo, pessoal'. Um militante disse que ia me cortar com um terçado. Reis esfregava a espingarda no meu pescoço, no meu peito e no meu rosto. Aí, confessei que tinha ido à polícia, mas inventei que era para resolver um problema do meu marido, que estava preso. Na verdade, ele é ex-presidiário. Cumpriu pena por assalto a mão armada. Está na condicional. Os militantes desconfiaram da minha história. Disseram que iriam falar com a advogada da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) em Belém, para ver se meu marido estava na cadeia mesmo. Se fosse mentira, eu ia morrer.
"Tomamos um barco para Belém. Na viagem, ficavam me mostrando um revólver a toda hora. Um dos sem-terra disse que se eu tentasse fugir tomaria um tiro antes de conseguir completar dez passos. Ele dizia que tinha sido polícia e me acertaria de primeira. Quando chegamos à CNBB, falei para uma advogada dos padres que meu marido estava na prisão. Era mentira, mas acho que eles acreditaram. Depois de muita conversa, acertamos que eu iria até minha casa em Belém, para buscar os documentos do meu marido, e voltaria no dia seguinte. Saindo de lá, fui direto para a delegacia. O delegado me mandou para a Polícia Federal.
"Contei que todo mundo que vive no Padre Josimo deixou suas casas em Belém pela promessa de ganhar terra e cesta básica. Quem fez as promessas foi o Reis. Ele organiza reuniões na periferia. No ano passado, meu marido e eu fomos a uma delas. O Reis disse que a gente deveria ir para uma terra no Acará. Ele garantia que a fazenda não tinha documento e que estava tudo certo com o Incra para a gente entrar. Disse que ia ter lona para montar as barracas e que o governo ia mandar cesta básica. Na reunião, explicaram que quem não pudesse deixar o trabalho para começar a invasão podia colaborar com dinheiro. Eles cobram uma mensalidade de 30 reais para deixar no cadastro o nome de quem não fica no assentamento. O pessoal paga para ter direito a um lote quando a reforma agrária chegar. Como meu marido estava desempregado, topamos. Ele ficou em Belém e eu fui com o filho da gente.
"Uma semana depois de entrarmos na terra, as cestas básicas do Incra começaram a chegar. Não falhou um mês. Chegavam até mais cestas do que a gente precisava. Reis ficava com o que sobrava. Ele dizia que era para vender e fazer dinheiro para as despesas do acampamento. Mas o pessoal dizia que ele usava as cestas para manter a família dele e os militantes de Belém. Fui nomeada coordenadora de saúde, porque sei ler bula de remédio e fazer massagem. Nunca gostei de viver lá. O pessoal vive armado. É um antro. Tinha até acampado que vivia de assaltar os barcos que passavam pelo rio. Não fui para lá para virar bandida. Coloquei a vida do meu filho em risco. Queria que a promessa deles fosse de verdade, mas o MST é feito de mentiras.
"Três dias depois do meu depoimento, os policiais me levaram ao acampamento para prender o pessoal. Fui para identificar quem andava armado, mas escondi o rosto com uma touca. Chegamos lá com oito policiais em duas viaturas. Na hora, os acampados cercaram a gente e disseram: 'Se quiser levar um, vai ter que levar os 300'. Fomos embora sem prender ninguém. Hoje, vivo escondida do MST. Tenho medo do que pode acontecer comigo."
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