terça-feira, maio 22, 2007

CPMF, superstições e realidade - Alíquotas do ICMS, PIS/Cofins e IOF são alternativas melhores para um corte

Artigo publicado no jornal Gazeta Mercantil em 10 de maio de 2007 (página A-3)

Everado Maciel (*)
De tempos em tempos, o governo federal se vê obrigado a encaminhar Proposta de Emenda Constitucional (PEC) prorrogando a CPMF. São tantas as prorrogações que já não seria fora de propósito indagar: por que não torná-la permanente?
A arrecadação da CPMF, em 2006, atingiu cerca de R$ 32 bilhões, em valores correntes, o que correspondeu a 8,6% das receitas administradas pela extinta Secretaria da Receita Federal (SRF).
Independentemente do juízo de valor que se faça sobre essa contribuição, prescindir da CPMF, hoje em dia, seria impensável, por conta da desastrada repercussão sobre as contas públicas. A despeito disso, a cada proposta de prorrogação levantam-se críticas de diferentes matizes.
Há os que, com sinceridade, levantam hipotéticas distorções econômicas produzidas pela CPMF, sem que, de fato, as demonstrem. Quando de sua instituição falou-se abertamente em desintermediação da economia. Até hoje, passados 11 anos, não se percebe qualquer sinal desse fenômeno. Falar nos custos econômicos daquela contribuição é desconhecer que qualquer tributo é custo (alguém pensa que a alíquota do ICMS não é repassada aos preços?). Alegar que a CPMF é cumulativa, significa ignorar que 93% dos contribuintes do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas optam (!) por regimes cumulativos (Lucro Presumido e Simples) e que a maior expressão de cumulatividade no sistema tributário brasileiro são créditos do ICMS acumulados na atividade exportadora.
Imposto, como diz o eminente tributarista Ives Gandra, é norma de rejeição social. Ninguém o aceita de bom grado. Portanto, qualquer ação tendente a majorar, instituir ou prorrogar imposto é motivo para reações - legítimas, diga-se de passagem. No caso específico, essa reação deveria, contudo, se fazer acompanhar de uma proposta clara e factível para reduzir o gasto público. Alguém deseja a ruptura do frágil equilíbrio fiscal, com nocivas conseqüências na inflação, emprego e investimento? Não sendo assim, vai parecer mero oportunismo político.
Restam ainda os que se opõem à CPMF, porque preferem tributos mais facilmente vulneráveis à evasão e elisão fiscais. Esses se misturam aos que se opõem por convicção ou por oportunismo político, sem que tenham, todavia, o necessário respaldo moral.
Nos países em desenvolvimento, sonegação é a maior distorção econômica de extração tributária. Estabelece concorrência desleal, desestimula o investimento e gera informalidade.
CPMF é um tributo de baixo custo de administração e de conformidade, em proveito do fisco e do contribuinte. É dificilmente sonegável. Produz pouquíssimos litígios judiciais, ao contrário dos demais tributos brasileiros. Por fim, é uma ferramenta extremamente valiosa para os trabalhos de fiscalização.
É claro que, observadas taxas de juros decrescentes, a vigente alíquota de 0,38% vai assumindo peso relativamente maior nas operações financeiras. Não é desarrazoado admitir que ela venha a tomar-se totalmente desproporcional. Considerada essa circunstância, a PEC deveria prever a possibilidade de redução da alíquota, por lei ordinária.
De qualquer sorte, esse debate traz à tona questões muito relevantes na concepção da política fiscal: o princípio da praticabilidade na tributação e a vinculação da carga tributária ao tamanho do gasto.
Casalta Nabais, em sua extraordinária obra "O Dever Fundamental de Pagar Impostos", afirma com agudeza: "Dominado por fenômenos de massa, o direito dos impostos está particularmente condicionado pelo princípio da praticabilidade, donde decorre que os limites materiais da tributação não possam ser levados tão longe quanto, prima facie, seria defensável".
Não tenho dúvidas de que a simplificação, expressão mais nítida do princípio da praticabilidade, é hoje a mais forte tendência estruturante dos modelos tributários. Soluções complexas não resistirão a sofisticados planejamentos fiscais, de âmbito internacional. Muitos falam, até mesmo, na morte do Imposto de Renda. O Simples e o Lucro Presumido fizeram sucesso aqui. Países do Leste europeu estão introduzindo em larga escala o flat tax (tributo sobre a renda, com alíquota única e sem deduções). A CPMF deveria ser olhada nessa perspectiva.
Quanto a reduzir a carga tributária; devo lembrar que nada será viável sem que se cuide do tamanho do gasto público. Ninguém gosta de reduzir despesas. Entretanto, ao menos no Brasil, é indispensável. Seria, portanto, preferível que o chamado impostômetro", criado pelo irreverente espírito brasileiro, estivesse ao lado de um "gastômetro".
Ainda assim, detido o crescimento, do gasto (para sermos pouco ambiciosos), creio que, em lugar da CPMF, existem algumas prioridades para corte de tributos: as estratosféricas alíquotas do ICMS superiores a 21 %, as alíquotas do PIS e da Cofins (contribuições conturbadas pelos casuísmos vinculados à incidência não-cumulativa), as alíquotas do IOF incidentes sobre empréstimos, para não falar da elevação dos limites do lucro presumido. Penso que é a hora de pensar em uma CPMF permanente. O resto é fantasia.

* Consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal

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