
As medidas governamentais tomadas por Fernando Collor de Mello mostraram-se as menos estatizantes de toda a história política nacional. Não só intensificou o processo de abertura econômica, como também conduzia-nos numa gradual queda da carga tributária (bem ao contrário do outro Fernando, o Henrique, que elevou-a aos céus), em concomitância com uma real diminuição do tamanho do Estado. Estas palavras não constituem retórica vazia: representam verdade passível de comprovação empírica, e qualquer sujeito que se clame "liberal" deveria, por estas razões, ter para com o governo Collor certa reverência.
Exemplo de clareza meridiana a comprovar o real liberalismo que emergia no início da década de noventa é uma lei sancionada pelo "caçador de marajás", que instituiu o PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO. Devem-se a ela todas as privatizações que se seguiram, o que inclui a do setor de Telecomunicações (a antiga Telessauro). Trago aos leitores seus primeiros artigos:
LEI N° 8.031, DE 12 DE ABRIL DE 1990
Cria o Programa Nacional de Desestatização, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1° É instituído o Programa Nacional de Desestatização, com os seguintes objetivos fundamentais:
I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;
II - contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o saneamento das finanças do setor público;
III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;
IV - contribuir para modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia;
V - permitir que a administração pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;
VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa.
Art. 2° Poderão ser privatizadas, nos termos desta lei, as empresas:
I - controladas, direta ou indiretamente, pela União e instituídas por lei ou ato do Poder Executivo; ou
II - criadas pelo setor privado e que, por qualquer motivo, passaram ao controle, direto ou indireto, da União.
§ 1° Considera-se privatização a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade.
§ 2° Aplicam-se os dispositivos desta lei, no que couber, à alienação das participações minoritárias diretas e indiretas da União, no capital social de quaisquer outras empresas.
[...]
Imaginem a quantidade de interesses contra os quais o signatário desta Lei teve de lutar para vê-la aprovada. Posicionaram-se contrário a um tal programa não apenas as corjas de mentalidade estatizante e os inúmeros beneficiários de cabides de emprego das Estatais, mas boa parte do empresariado nacional cujos empreendimentos já estavam constituídos. Isto por que as grandes empresas capitalistas são notadamente anti-capitalistas: não querem saber de concorrência. Temem-na como o diabo teme a cruz. Tem-se, com isto, dado o panomara nada favorável no qual Collor fez aprovar a Lei de Desestatização. Só tendo o saco preto mesmo.
Acho engraçado quando a intelectualidade verde e amarela e professores de todos os graus referem-se a Adam Smith como um pensador cuja teoria voltava-se exclusivamente aos empresários. Não há nada mais falso, nada mais mentiroso e infame do que esta assertiva. Smith foi talvez o primeiro intelectual a preocupar-se com a população de maneira geral, com os consumidores, à medida que combatia as Grandes Corporações mercantilistas que se fechavam à concorrência e instituiam privilégios aos negociantes já estabelecidos no mercado. Ao propugnar pela livre concorrência, pensou antes no consumidor, que no livre mercado tem a possibilidade de adquirir maior variedade de produtos a preços mais baixos, pois que a competição gera precisamente estes resultados: força os empreendedores a melhorarem seus produtos e a abaixarem seus preços, sob pena de perderem clientela para um outro que esteja agradando aos compradores. Ressalte-se que agradar a um consumidor significa colocar a sua disposição produtos de alta qualidade a preços baixos. Aquele que, no livre mercado, não se orientar pela lógica da eficiência, perde a briga e sucumbe. Quem ganha é sempre e sempre o consumidor, que nele pode exercer livremente sua soberania.
Com Collor, o Brasil passou a ser menos mercantilista e um pouco mais capitalista; chegou ao menos no estágio do proto-capitalismo, o que já nos representou um avanço. Entretanto, por um outro lado, o Presidente "collorido" confiscou-nos as poupanças, e a equipe técnica montada por ele colecionava incompetentes (bastante lembrar da imbecil da Zélia Cardoso de Mello). Não obstante, o cerne de seu plano de governo foi o mais liberalizante e arrojado da história. A esquerda nacional (e o empresariado temeroso pela abertura econômica), ciente do explícito viés anti-estatizante que o orientava, não economizou esforços para arrancar-lhe o poder em seu primeiro deslize. Por todo o exposto, repito: quem quer que seja que, em terras pátrias, considere-se um liberal, deve ter um mínimo de consideração para com um líder político que nos forneceu o rascunho do mapa do caminho rumo ao capitalismo liberal.
Um comentário:
Sensacional o seu texto!! Faço faculdade de economia e concordo com cada palavra dita!!
Parabéns!
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