terça-feira, setembro 02, 2008

Medicamentos e cidadãos órfãos

A experiência no Executivo me fez entender que as questões burocráticas não podem estar acima da vida humana. No Legislativo, vi muitos que hoje estão no Executivo pensarem diferente.
O drama de usuários que dependem de medicamentos importados, sem similar nacional, me levou a propor, em novembro de 2007, uma audiência pública na Subcomissão Permanente de Promoção, Acompanhamento e Defesa da Saúde do Senado Federal, presidida pelo senador Papaléo Paes. A audiência, realizada em novembro de 2007, foi comemorada, em especial, por usuários do medicamento Maliasin, que me procuraram no gabinete.

Depois de tantos apelos, eles, enfim, ouviram, durante a audiência pública, o compromisso assumido pelo representante da ANVISA, Dr. Jorge Taveira, de que com a maior brevidade possível seria resolvida a questão Maliasin. Infelizmente, mais de 9 meses se passaram e, após uma seqüência aflitiva de marchas e contramarchas, o impasse em torno da importação de medicamentos órfãos, sem similar nacional, permanece.

É de conhecimento público que, hoje, há muita dificuldade para importar medicamentos órfãos, usados no tratamento ou no diagnóstico de doenças raras. O número pequeno de pacientes não desperta o interesse da indústria farmacêutica. E se a ANVISA não registrou o medicamento, o trâmite para importá-lo é longo (entre 45 e 60 dias). Como muitos pacientes não resistem a esta espera, e diante da letargia das autoridades, a revisão do atual marco legal é a única alternativa factível capaz de minimizar o drama enfrentado em nosso País pelos pacientes que dependem da importação desses medicamentos.

Sendo assim, apresentei projeto de lei cujo objetivo primeiro é remover o excesso de burocracia que conduz possíveis usuários à ilegalidade. Atualmente não se consegue obter da ANVISA uma orientação sobre como proceder para importar medicamentos órfãos de maneira legal e compatível com a realidade do mercado, ou seja, levando-se em consideração o "caráter de urgência".

As importadoras que fazem o serviço de maneira rápida, além de não existirem legalmente, são enquadradas como contrabandistas. O estado de profunda e prolongada inconsciência dos gestores públicos da área de saúde demonstra o descaso e a negligência do governo. A RDC - Resolução da Diretoria Colegiada - nº 86, que listava os medicamentos que poderiam ser importados excepcionalmente, deveria ser revisada a cada 6 meses, mas ficou mais de 7 anos sem revisão. É preciso fazer ecoar: milhares de famílias brasileiras sofrem o drama de não poder tratar seus doentes em razão da incompetência governamental.

O caso de medicamentos oncológicos, cujo histórico estampado nas páginas da mídia escrita nos comove e sensibiliza, também reforça a necessidade de um novo marco. A última edição da Revista Istoé publicou nota na coluna de Ricardo Boechat abordando a questão da entrada no país de medicamentos importados, sem similar nacional, e citando o exemplo do medicamento oncológico Yondelis, que está sendo utilizado pelo Vice-Presidente José Alencar na luta que trava contra o câncer.

Recebi do Vice-Presidente comunicação com esclarecimentos sobre a importação desse medicamento, ao qual está anexada nota da ANVISA dizendo que "... a importação para uso próprio independe de autorização da ANVISA, a quem cabe apenas a fiscalização do preenchimento dos requisitos que caracterizem essa situação." Vale ressaltar que a referida importação foi regulada há pouco mais de 90 dias, passando a facultar ao viajante, que desembarca no país e apresenta a comprovação de que o medicamento é para uso pessoal, obter a sua liberação assegurada no mesmo momento.

O importante é oferecer à população uma alternativa legal capaz de facilitar o acesso e a importação de medicamentos órfãos, considerando-se que a prescrição é um ato exclusivo da relação médico/paciente. Mas as alternativas atuais, para o cidadão comum, se resumem a fazer contato com uma importadora e contar com a sorte de que a mesma seja uma empresa idônea.

Nesse universo a hipocrisia impera. Enquanto as importadoras operam na ilegalidade pela falta de um dispositivo legal, hospitais e instituições da área de saúde das esferas federal, estadual e municipal recorrem rotineiramente a elas, sem, no entanto, admitirem que façam uso de seus serviços.

O quadro é muito grave. Apelei ao presidente da República, em especial ao Vice-Presidente José Alencar, para que se debrucem sobre os desdobramentos da atual situação e dos efeitos imprevisíveis sobre a saúde da população, e para que transformem o projeto de lei que apresentei, fruto de exaustivas reuniões, consultas e audiência pública com todos os atores envolvidos, em Medida Provisória. O caráter de urgência e relevância, neste caso, é inquestionável.

Não posso escamotear o meu inconformismo ao ver seres humanos perdendo a vida diante da indiferença de autoridades constituídas que deveriam agir com maior sensibilidade. Estamos questionando a legislação vigente. Não está errado o Vice-Presidente ao buscar os medicamentos para se tratar. Ultrapassada está a legislação do País, que leva à morte milhares de brasileiros que são impedidos de importar medicamentos.

Lamentavelmente, no cenário atual, entraves e dificuldades de todos os matizes se antepõem àquele paciente que necessita importar medicamento sem similar no nosso País. A indiferença do governo vem ceifando muitas vidas e ampliando o número de órfãos nas famílias brasileiras. A propósito, a indiferença mata.

Senador Alvaro Dias - 2º Vice Presidente do Senado, vice-líder do PSDB

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