terça-feira, outubro 07, 2008

Virtudes da Prudência Política

Trechos do artigo de Rafael del Aguila (foto) - Politólogo da Universidade Autônoma de Madrid publicado no Clarin.

1. “Para ser homem, é preciso negar-se a ser Deus”, dizia Camus. Talvez seja este um primeiro elemento de uma política de moderação capaz de evitar o fanatismo. É preciso negar-se a colocar-se a si próprio numa posição "omnímoda" e toda poderosa que caracteriza os idealistas utópicos e os realistas obtusos. Ambos os pontos de vista converteram o século XX e estão a caminho de converter o século XXI num inferno de violência, brutalidade política, guerra, limpezas étnicas, terrorismo, extermínios.

2. Para começar, o perigo dos ideais não consiste em tê-los, mas sim como eles se mantêm. Não consiste em crer ou não crer, mas em como se crê. Dogmáticos e fanáticos consideram uma agressão insuportável qualquer argumento que os obrigue a rever ou a colocar em questão seus ideais. Ao contrário, as políticas moderadas vivem de convicções, cujo núcleo principal é a abertura à crítica e à auto-reflexão permanentes.

3. Estas políticas se orgulham de manterem-se abertas a argumentações, experiências, sentimentos ou acontecimentos, que eventualmente poderiam levá-las a reapresentar suas crenças e seus ideais. E, do mesmo modo, tal como a dúvida na ciência não é paralisante, mas constitui um estímulo para o avanço na investigação, estas políticas crêem que a abertura, a ironia e a autocrítica constituem sua razão de ser e seu maior poder.

4. Transformamos nossas crenças porque uma pessoa experimentada não é a que tem muitas experiências, mas sim a que está aberta a novas experiências. A abertura e a exposição à mudança é sua lei fundamental. Desde aqui se procura oferecer uma alternativa conseqüente; isto é, que tenha por objetivo a geração de conseqüências preferíveis, com a ação política. E por aqui se começa por temer certas políticas tirânicas, realizadas em nome de altos ideais ou de necessidades iniludíveis.

5. A alternativa impecável é equivocada. Do bem nem sempre procede o bem, a justiça estrita nem sempre produz resultados de acordo com o bem comum democrático, o honesto nem sempre é útil. Estas opções estão baseadas numa metafísica harmonizante incompatível com um olhar para o mundo minimamente realista e verdadeiro.

6. Devido a este dilema, a política de moderação existe sem garantias, nem fundamentos. Ninguém, senão nós próprios, nossa reflexão e nossos juízos, e nossas ações, podem determinar o nível de tolerância nos meios que usemos. Apenas uma deliberação aberta a todos pode-nos assinalar onde não estamos dispostos a chegar sob nenhuma circunstância.

7. Mas não é preciso ter demasiadas ilusões; julgamos e tomamos cursos de ação alternativos nos âmbitos políticos contingentes e inseguros. Nossas mesmas ações produzem efeitos e envoltas de reações que nunca podemos prever e antecipar ou controlar por completo. Isso não nos exime de julgar e de atuar. Mas sim nos impõe atuar com prudência.

8. É preciso ter a coragem de tomar posição contra a injustiça ou a tirania, e assumir que devemos fazer isso até mesmo quando não estivermos totalmente seguros de nada (nem da superioridade absoluta de nossos ideais, nem da consecução perfeita dos fins da ação). Porque um homem civilizado é aquele que se atreve a se arriscar por coisas que considera cruciais, mesmo quando tenha dúvidas delas. Além disso, habitualmente, não poderemos escolher o bem e teremos de conformar-nos com o mal menor.

9. Não poderemos garantir a liberação absoluta e transparente, e teremos de nos conformar com as pequenas liberdades que nos fazem, precisamente, livres. Importa o pequeno, as mudanças e as rebeldias locais, a dissidência pontual, a solução dos problemas reais, as resistências ao intolerável. A consecução de um mundo, que, se não for completamente justo e perfeito, ao menos é decente.

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