Dentro do novo paradigma econômico da globalização que implica na concorrência direta entre trabalhadores de todo o mundo, a condição para se obter e manter empregos é permanecer sempre pobre.
No princípio dos anos 1990 um novo fenômeno associado à globalização passou das discussões técnicas na área de recursos humanos para as manchetes dos grandes jornais. Refiro-me ao “outsourcing” ou simplesmente terceirização, mas com a característica de transferir empregos de países desenvolvidos para países “emergentes”.
O fenômeno ganhou relevância a partir da transferência de inúmeras atividades de serviços principalmente da Grã-bretanha e dos EUA para a Índia. Logo ficaram famosos os “call centers” que estavam sendo instalados em Bangalore, onde os operadores de “telemarketing” indianos aprendiam a imitar o sotaque britânico ou norte-americano de modo a parecer que na verdade trabalhavam nesses países.
A novidade foi logo saudada como um novo triunfo da globalização e das novas tecnologias de informática e telecomunicações. Dizia-se que o mundo “tinha ficado plano” conforme o livro ufanista escrito por Thomas L. Friedman. (1)
As objeções de que essa prática eliminaria empregos nos países desenvolvidos foram respondidas com a afirmação de que se tratava de empregos de baixa remuneração e que exigiam pouca “criatividade”. Portanto isso apenas ajudaria a criar empregos em países mais pobres sem afetar o emprego nos mais ricos, onde logo surgiriam muitos outros empregos ligados à própria área de tecnologia.
Quando o “outsourcing” começou a incluir projeto e desenvolvimento de software, serviços de contabilidade, analise financeira e até diagnósticos clínicos por imagens, feitas por médicos indianos que ganhavam uma fração de seus colegas “desenvolvidos”, esse argumento caiu por terra. Mas de qualquer forma, dentro da “Nova Economia” as coisas não precisavam fazer muito sentido.
A conclusão era que a globalização permitiria uma melhor distribuição de renda entre trabalhadores de todo o mundo. Em outras palavras, algumas pequenas reduções nos salários dos países desenvolvidos poderiam ocorrer “provisoriamente”, mas seriam largamente compensadas tão logo os trabalhadores dos países em desenvolvimento fossem incluídos no circuito global do fluxo de produção da riqueza.
Previa-se que em “curto prazo”, os trabalhadores da Índia ou da China fossem cada vez mais bem remunerados e seu consumo beneficiaria exatamente os países desenvolvidos, gerando empregos em empresas voltadas à exportação de artigos mais sofisticados como computadores pessoais, por exemplo.
O fato de a China ter logo passado a ser o maior “fabricante” de computadores do mundo, passou desapercebido. A constatação de que a imensa maioria das bugigangas eletrônicas consumidas pelos trabalhadores dos países “recém incluídos” na globalização, passou a ser fabricado nesses mesmos países e, alem disso, exportado para os desenvolvidos, também foi devidamente saudado como mais um triunfo da globalização.
Mas restava uma questão problemática. Os eternos chatos (entre os quais me incluo), que insistem em estragar a festa, argumentavam que o “outsourcing” criava um paradoxo: Os países “incluídos” na globalização por meio da oferta de mão-de-obra barata, ficavam dependentes do fato de essa mão-de-obra permanecer sempre barata. Em outras palavras, para criar e manter empregos, os trabalhadores tinham de ser mantidos pobres.
O argumento era de que os trabalhadores dos países desenvolvidos eram substituídos por outros mais pobres exclusivamente porque esses últimos eram pobres e, portanto, a única “vantagem competitiva” desses trabalhadores era o fato de ganharem salários baixos. A perspectiva sombria era que qualquer tentativa de elevar esses salários, faria com que as empresas “globais” procurassem novos mercados de trabalho, onde os salários fossem ainda mais miseráveis.
A lógica disso não pareceu incomodar os apologistas do novo paradigma, que passaram a simplesmente negar essa possibilidade. Mas notícias recentes confirmam largamente essas previsões pessimistas, senão vejamos.
Em recente artigo do “Le Monde” (2) podemos ler que: “Enfraquecida pelo forte crescimento dos salários dos engenheiros, pela valorização da rupia em relação ao dólar, e pelo surgimento de concorrentes da Europa do Leste ou da Ásia, a indústria indiana de informática está passando por um período complicado”.
O que estaria acontecendo? A reposta é simples:
“Os preços dos aluguéis andaram disparando em cidades como Bangalore ou Hyderabad, enquanto o mesmo tem acontecido com os salários dos engenheiros em informática. Os engenheiros de baixa remuneração que fizeram a fama do país no mercado internacional tornaram-se raridades”.
E para tornar as coisas ainda piores:
“Não só os salários vêm aumentando no ritmo de 15% a 20% por ano, como outros engenheiros que recebem remunerações equivalentes, e até mesmo inferiores, lhes fazem concorrência na Europa do Leste ou em certos países asiáticos como a China ou o Vietnã”.
Uma curta frase formaliza definitivamente a confirmação dos argumentos que os “chatos” vem apresentando desde os anos 1990: “Com isso, a Intel anunciou a sua decisão de recrutar engenheiros no Vietnã, alegando que não havia mais razão para contratá-los na Índia”.
Como o artigo tem como foco uma analise meramente econômica de um grupo de empresas em particular, não houve a costumeira preocupação em esconder a realidade, que sempre afirmamos existir: A “baixa remuneração” e não uma suposta “competência especial” ou “disposição para trabalhar duro”, sempre foi o único motivo para a contratação desses engenheiros, e como isso vem mudando, não existe mais nenhuma “razão para contratá-los na Índia’.
Agora está muito claro o que ira acontecer com quaisquer outros ramos de atividades em que os salários subam. Os trabalhadores da Índia e da China nunca poderão atingir um nível de vida alem de um patamar muito abaixo daqueles de seus colegas dos países desenvolvidos.
De outro modo, sempre haverá trabalhadores mais baratos em países ainda mais miseráveis em outros países da Ásia, da Europa ex-comunista ou até da África sub-saariana. Em resumo, para ter empregos será necessário ser eternamente pobre.
__________________
(1) “O Mundo é Plano: Uma breve História do século XXI“ - Thomas L. Friedman
(2) “Indústria indiana de informática passa a priorizar serviços de maior valor agregado” - Julien Bouissou - Correspondente em Nova Déli – Le Monde – 19/07/2007
No princípio dos anos 1990 um novo fenômeno associado à globalização passou das discussões técnicas na área de recursos humanos para as manchetes dos grandes jornais. Refiro-me ao “outsourcing” ou simplesmente terceirização, mas com a característica de transferir empregos de países desenvolvidos para países “emergentes”.
O fenômeno ganhou relevância a partir da transferência de inúmeras atividades de serviços principalmente da Grã-bretanha e dos EUA para a Índia. Logo ficaram famosos os “call centers” que estavam sendo instalados em Bangalore, onde os operadores de “telemarketing” indianos aprendiam a imitar o sotaque britânico ou norte-americano de modo a parecer que na verdade trabalhavam nesses países.
A novidade foi logo saudada como um novo triunfo da globalização e das novas tecnologias de informática e telecomunicações. Dizia-se que o mundo “tinha ficado plano” conforme o livro ufanista escrito por Thomas L. Friedman. (1)
As objeções de que essa prática eliminaria empregos nos países desenvolvidos foram respondidas com a afirmação de que se tratava de empregos de baixa remuneração e que exigiam pouca “criatividade”. Portanto isso apenas ajudaria a criar empregos em países mais pobres sem afetar o emprego nos mais ricos, onde logo surgiriam muitos outros empregos ligados à própria área de tecnologia.
Quando o “outsourcing” começou a incluir projeto e desenvolvimento de software, serviços de contabilidade, analise financeira e até diagnósticos clínicos por imagens, feitas por médicos indianos que ganhavam uma fração de seus colegas “desenvolvidos”, esse argumento caiu por terra. Mas de qualquer forma, dentro da “Nova Economia” as coisas não precisavam fazer muito sentido.
A conclusão era que a globalização permitiria uma melhor distribuição de renda entre trabalhadores de todo o mundo. Em outras palavras, algumas pequenas reduções nos salários dos países desenvolvidos poderiam ocorrer “provisoriamente”, mas seriam largamente compensadas tão logo os trabalhadores dos países em desenvolvimento fossem incluídos no circuito global do fluxo de produção da riqueza.
Previa-se que em “curto prazo”, os trabalhadores da Índia ou da China fossem cada vez mais bem remunerados e seu consumo beneficiaria exatamente os países desenvolvidos, gerando empregos em empresas voltadas à exportação de artigos mais sofisticados como computadores pessoais, por exemplo.
O fato de a China ter logo passado a ser o maior “fabricante” de computadores do mundo, passou desapercebido. A constatação de que a imensa maioria das bugigangas eletrônicas consumidas pelos trabalhadores dos países “recém incluídos” na globalização, passou a ser fabricado nesses mesmos países e, alem disso, exportado para os desenvolvidos, também foi devidamente saudado como mais um triunfo da globalização.
Mas restava uma questão problemática. Os eternos chatos (entre os quais me incluo), que insistem em estragar a festa, argumentavam que o “outsourcing” criava um paradoxo: Os países “incluídos” na globalização por meio da oferta de mão-de-obra barata, ficavam dependentes do fato de essa mão-de-obra permanecer sempre barata. Em outras palavras, para criar e manter empregos, os trabalhadores tinham de ser mantidos pobres.
O argumento era de que os trabalhadores dos países desenvolvidos eram substituídos por outros mais pobres exclusivamente porque esses últimos eram pobres e, portanto, a única “vantagem competitiva” desses trabalhadores era o fato de ganharem salários baixos. A perspectiva sombria era que qualquer tentativa de elevar esses salários, faria com que as empresas “globais” procurassem novos mercados de trabalho, onde os salários fossem ainda mais miseráveis.
A lógica disso não pareceu incomodar os apologistas do novo paradigma, que passaram a simplesmente negar essa possibilidade. Mas notícias recentes confirmam largamente essas previsões pessimistas, senão vejamos.
Em recente artigo do “Le Monde” (2) podemos ler que: “Enfraquecida pelo forte crescimento dos salários dos engenheiros, pela valorização da rupia em relação ao dólar, e pelo surgimento de concorrentes da Europa do Leste ou da Ásia, a indústria indiana de informática está passando por um período complicado”.
O que estaria acontecendo? A reposta é simples:
“Os preços dos aluguéis andaram disparando em cidades como Bangalore ou Hyderabad, enquanto o mesmo tem acontecido com os salários dos engenheiros em informática. Os engenheiros de baixa remuneração que fizeram a fama do país no mercado internacional tornaram-se raridades”.
E para tornar as coisas ainda piores:
“Não só os salários vêm aumentando no ritmo de 15% a 20% por ano, como outros engenheiros que recebem remunerações equivalentes, e até mesmo inferiores, lhes fazem concorrência na Europa do Leste ou em certos países asiáticos como a China ou o Vietnã”.
Uma curta frase formaliza definitivamente a confirmação dos argumentos que os “chatos” vem apresentando desde os anos 1990: “Com isso, a Intel anunciou a sua decisão de recrutar engenheiros no Vietnã, alegando que não havia mais razão para contratá-los na Índia”.
Como o artigo tem como foco uma analise meramente econômica de um grupo de empresas em particular, não houve a costumeira preocupação em esconder a realidade, que sempre afirmamos existir: A “baixa remuneração” e não uma suposta “competência especial” ou “disposição para trabalhar duro”, sempre foi o único motivo para a contratação desses engenheiros, e como isso vem mudando, não existe mais nenhuma “razão para contratá-los na Índia’.
Agora está muito claro o que ira acontecer com quaisquer outros ramos de atividades em que os salários subam. Os trabalhadores da Índia e da China nunca poderão atingir um nível de vida alem de um patamar muito abaixo daqueles de seus colegas dos países desenvolvidos.
De outro modo, sempre haverá trabalhadores mais baratos em países ainda mais miseráveis em outros países da Ásia, da Europa ex-comunista ou até da África sub-saariana. Em resumo, para ter empregos será necessário ser eternamente pobre.
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(1) “O Mundo é Plano: Uma breve História do século XXI“ - Thomas L. Friedman
(2) “Indústria indiana de informática passa a priorizar serviços de maior valor agregado” - Julien Bouissou - Correspondente em Nova Déli – Le Monde – 19/07/2007
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